Depois que Benicio foi embora, tranquei-me em meu quarto e fiquei a pensar mais calmamente nos acontecimentos do dia anterior.
Passei o restante da tarde – começo de noite – em meu quarto. Estava sem fome.
Por algum motivo – bem óbvio – a rejeição de Albert me afetaria além do que eu esperava.
Troquei de roupa e decidi me deitar cedo. Queria que o dia logo amanhecesse. O convite do Padre Robert me deixara eufórica. Não conseguia pensar em outra coisa. Tanto que preferira aceitar a proposta de Benicio, só para me recolher o quanto antes e ter tempo de pensar.
Graças aos céus, logo adormeci.
Acordei cedo como de costume, fiz minha higiene e segui para a cozinha.
Beijo Alda e pego uma maçã.
– Aonde vai tão cedo?
– Ajudarei no sopão da igreja – digo enquanto saio pela porta.
A carruagem estava pronta. Entrei e seguimos para a igreja.
O cocheiro a estacionou próximo a porta de entrada lateral.
Entro e sigo pelo corredor.
Acabo por esbarrar em alguém e derrubar várias cebolas no chão.
– Desculpe, eu sou uma desastrada… – quando fitei a pessoa a minha frente, senti meu coração disparar – desculpe Padre Albert.
Ele recolhe o restante das cebolas caídas.
– Tudo bem.
– Padre Robert pediu que eu viesse…
– É, mas, já temos ajuda o suficiente – diz rispidamente e saí.
Sigo-o e dou de cara com uma enorme cozinha.
Fora ele, havia mais duas pessoas trabalhando ali.
– Será que posso ajudar em algo? – indago da porta.
As duas mulheres me olham.
– Bem precisamos de…
– Não precisamos da sua ajuda – Albert interrompe rispidamente.
Olho-o confusa, magoada e com raiva.
Permaneço ali alguns segundos antes de sair.
Bato a porta fortemente e sigo pelo corredor.
– Audrea – ouço sua voz.
Paro e o encaro.
Ele se aproxima a passos largos.
– Desculpe – diz – tive uma noite r**m, não dormi bem, mas, isso não é motivo para que lhe destrate.
Olho-o mais fingindo que aceitava suas desculpas, do que verdadeiramente aceitava.
– Pode ajudar com a cebola? Precisamos terminar até ao meio dia.
Respiro fundo.
– Claro.
Voltamos para a cozinha e uma das mulheres me passou uma touca e um avental.
Peguei a faca e comecei a picar as cebolas.
Por volta de 11:30horas, terminamos o processo de cozimento da sopa.
As duas mulheres puseram os pratos em cima da enorme mesa e começamos a enchê-los..
Albert e eu ficamos na cozinha, enquanto as mulheres íam levando os pratos para uma bancada que dava acesso para o pátio. Onde poucos minutos depois, os bancos que ali tinham, ficaram repletos de sem tetos; homens, mulheres e várias crianças famintas.
Ao término de minha missão, sentia-me grata.
Pude notar o quanto tinha sorte, tinha tanto, e ver aqueles pobres coitados com tão pouco e outros em casos extremos sem nada, era de partir o coração.
– Obrigado – diz Albert recostado a pia.
Sorrio rapidamente e aproximo-me da pia para lavar as mão.
Tiro a touca e um emaranhado de cachos caem em meus ombros. Os grampos saltaram de meu cabelo quando puxei a touca.
Pus as mãos debaixo da torneira e peguei uma barrinha de sabão.
Albert se afastou um pouco e ficou a me observar.
– Vocês sempre fazem isso? – pergunto.
– A cada quinze dias. Queríamos fazer mais vezes, mas, precisamos de tempo para juntar os alimentos para que possamos ter o que fazer – diz com pesar.
Seco as mão e tiro o avental.
Ajeito um pouco os cabelos e tiro algumas lascas de verdura que estavam em minha roupa.
Albert me observava.
– Albert – ele fixa seu olhar no meu – me desculpe. Na verdade, me perdoe – ele permanecia calado – não sei o que aconteceu comigo, mas, prometo-lhe que jamais tornará a acontecer. Por isso eu lhe peço, não fique com raiva de mim.
– Não estou com raiva de você Audrea – olho-o surpresa – apenas peço que cumpra o que está prometendo.
Assento com pesar. Mesmo sabendo que o que fizera, fora errado, tinha gostado, e ansiava por mais.
Sorrio e saio da cozinha.
Passo pela porta, mas ele agarra meu braço.
Ele fita minha mão e a acaricia.
Olho-o surpresa, e ele me olha de volta.
– Obrigado pelo apoio – diz.
Sorrio.
– Não há de que. Sempre que precisar, pode contar comigo.
Ele sorri e me solta.
Sigo pelo corredor, mas, antes que chegasse a porta, sinto uma presença atrás de mim.
Viro e constato que era ele.
– O que foi? – indago.
Ele ficou me observando.
– Padre Albert?
Seus olhos encontraram os meus de uma forma estranha. A mesma forma que me olhara na outra noite, e que me deixara confusa e me fez agir de forma desordenada.
– Audrea eu… – ele me olhou de forma ainda mais intensa – eu, tenho algo a lhe dizer, mas… Não posso fazer isso.
– O que?
– Dizer a você. Há algo que me corrói, que acaba comigo a cada segundo que penso em você. É errado, é horrendo, é…
– É amor – digo e ele me olha surpreso – é isso, não é?
Percebo-o retesar, mas não queria deixar que isso acontecesse, e ele voltasse atrás em dizer o que sentia.
– Eu nunca me senti assim antes – diz – sinto como se meu coração fosse explodir. Como se meus pensamentos de nada mais valessem, se você não estiver neles. Eu não consigo tirá-la de minha mente Audrea, e por mais que isso seja difícil para admitir, desde a primeira vez que a vi senti meu mundo mudar, sei o quanto é errado. Fiz uma escolha, e não posso voltar atrás.
Ao mesmo tempo que estava feliz por ouvir tais palavras, tinha ciência do que ele falava.
– Albert, eu não posso dizer que não o entendo, pois, sei exatamente o que está passando. Deus sabe como me sinto quando o vejo, quando ouço sua voz, quando ao menos penso em você – ele sorria envergonhado – sei o que sinto por você, e é amor.
Ele pega minha mão e a acaricia.
– Por mais que eu queira Audrea, sabe o quanto isso é errado.
– Será que é realmente errado? Eu nunca me senti assim antes. Sei que sua condição dificulta ainda mais a situação, mas, o que posso fazer? Me apaixonei por você.
Ele sorriu ainda mais.
Ouvimos barulhos e ele olhou para trás.
– Quero conversar melhor com você. Poderia me encontrar hoje a noite?
– Onde?
– Na fronteira de Salvatore.
– Tudo bem.
Ele sorri e beija minha mão.
Recolho-a sorridente.
Sigo para a porta de saída e encontro o cocheiro a minha espera.
Quando saímos do beco, dou de cara com Benicio.
– Benicio – o cocheiro para a carruagem – o que faz por aqui?
Ele me olha um tanto seriamente.
– Vim visitar um velho amigo. Ele está muito doente.
– Entendo. Sinto muito.
Ele sorri gentilmente.
– E você? Vi que saia da igreja…
– Vim ajudar no sopão. Padre Robert solicitou minha ajuda, então, vim ajudar Albert.
– Albert? – rebate.
– Sim. O Padre Albert.
– Sim… – retruca curioso – aquele que fora jantar em sua residência e saiu atrás de você…
Assento um pouco desconfortável.
– Bem, preciso ir. Estou exausta. Tenha um bom dia Benicio.
– Você também Audrea. Tenha um ótimo dia.
Despeço-me dele e sigo para casa.
Fito a mão que Albert beijara e sorrio novamente.
Sim, ele sentia o mesmo que eu, mas, como ele mesmo dissera, a situação era complicada.
Mas, o que mais me intrigava, não era o fato de a situação ser complicada, e sim, de ele ter me dito o que sentia, em tais circunstâncias. O cheiro de cebola e alho ainda era nítido em mim. Ele não poderia esperar por uma oportunidade mais propícia? – rio ao pensar.
Não, ele não poderia esperar. Assim como eu não queria esperar. Cada coisa em seu tempo.
Mas, mesmo levando tal ditado tão a sério, a ânsia de ficar esperando para encontrá-lo a noite já começara a me consumir.
Procurei aquietar meus pensamentos e sentimentos, para que mamãe e papai não percebessem. Até porque, teria de sair a surdina, para que não dessem de minha falta e não atrapalhassem meus planos.