Após a chegada conturbada da nova campista, todos estavam reunidos no pavilhão para seguir com a rotina matinal. Quiron estava com a garota na Casa Grande enquanto a mesma se recuperava dos ataques e processava o lugar onde estava.
Os campistas comiam entre burburinhos e opiniões sobre o ocorrido e a novata, principalmente a mesa de Ares. Era onde Mirana estava, m*l tocara na comida de tão distraída e em choque que se encontrava. A garota nova era a mesma de seu sonho: as mesmas características, a mesma voz, enfim, a mesma pessoa.
Luana, que estava concentrada na refeição, parou para observar a gêmea e logo estranhando sua reação.
— Mirah, você está bem? m*l tocou na comida - observou, preocupada. Mirana não desperdiçava a hora de comer.
A loira de cabelos longos olhou para a outra, saindo de seu transe particular.
— Acho que não acordei com muita disposição hoje - disse apenas para desviar a atenção.
Mas Lua não desistiu.
— O que está acontecendo com você hoje?! Não tente me enganar, eu sou sua irmã e sei que você não está bem - insistiu, ganhando um olhar tenso da gêmea.
Mirana olhou ao redor como se não quisesse falar sobre o assunto na frente de seus irmãos de chalé. Lua entendeu, pois imediatamente se levantou a puxando junto.
— Lua, Mirah, para onde vocês vão?! Ainda não terminamos o café! - Josh perguntou ao notar as garotas se afastando.
Luana quis trincar os dentes e gritar com ele para não ser tão intrometido, mas se conteve.
— Assunto particular de gêmeas - relatou e saiu com a irmã sem dizer mais nada a ele, deixando todos da mesa confusos.
Foram para os campos de morango, o lugar favorito de Luana. O cheiro da fruta lhe confortava, fora a brisa suave das ninfas que cuidavam ali.
Parou na frente da irmã a observando com olhos julgadores.
— O que está acontecendo, Mirah? Você está agindo estranha desde que acordou.
Mirana mordeu o labio inferior tamanho nervosismo. Como começaria a explicar?
— É aquela garota? - a irmã insistiu, tentando ler as reações da outra.
Depois de respirar fundo algumas vezes, Mirana finalmente se dispôs a falar.
— Tive um sonho estranho ontem a noite e ela aparecia - começou, detalhando tudo que ocorrera desde que conheceu Serena até o estranho buraco n***o que falava...Só omitiu o fato de já saber de quem Serena era filha.
Luana apenas balançava a cabeça, ouvindo tudo com atenção. Não era incomum semideuses terem visões em seus sonhos, ela mesma sabia bem disso.
— Parecia tudo tão real... - a outra Lewis refletiu, tensa.
A loira de cabelos curtos apenas conseguiu olhar bem para a outra, não sabia como ajudar naquela situação.
Só tinham uma coisa em mente: Quem era a voz misteriosa que falava em despertar.
— Certo, isso de você ter sonhado com a garota antes mesmo dela chegar aqui foi muito estranho. Mas agora a voz no buraco negro...- Luana começou a pensar mas nada chegava em sua mente. Não fazia idéia do que poderia ser — Temos que falar com Quiron - decidiu.
Mirana assentiu. Quanto antes falassem com o diretor de atividades do acampamento, mais rápido saberiam o quão perigoso podia ser aquela voz.
— Vamos até a Casa Grande.
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A Casa Grande parecia lotada no momento em que as gêmeas cruzaram a porta para encontrar o diretor de atividades. Vários olhares de conselheiros chefes, ninfas e semideuses cruzaram ao delas, surpresos com a repentina chegada.
Mirana tentou não ficar nervosa pelos olhares, principalmente por um deles sendo da garota que tanto lhe assombrava.
Quiron as olhava curioso, como se as incentivasse a falar.
— Meninas? - chamou atenção com um gesto para que todos continuassem em silêncio.
Luana pigarreou.
— Quiron...precisamos falar com você, bem, em particular - disse receosa.
O centauro olhou bem para as duas, movendo a cadeira de rodas com pernas falsas, seu disfarce, para encará-las.
— Suponho que seja algo realmente urgente - o homem-cavalo analisou, com a sobrancelha arqueada.
Luana assentiu, ignorando os olhares questionadores e burburinhos dos outros semideuses ali presentes.
Quiron começou a mover sua cadeira de rodas.
— Jayme, fique de olho em Serena e os outros podem retornar às suas atividades - com um sinal, liberou todos.
Todos assentiram e Serena observou enquanto as gêmeas acompanhavam seu professor até a varanda da Casa Grande, onde poderiam conversar de forma mais isolada.
Tinha a impressão de que o assunto estava relacionado a ela.
Logo ficou um silêncio no ambiente, se sentia exposta e incomodada com o olhar fixo de Jayme sob si. De cabeça baixa, refletiu. Aquele lugar era estranho, aquelas pessoas eram calorosas demais, não conseguia se sentir bem ainda ali. Do que eram chamados? Ah sim, semideuses. Sempre teve a impressão de serem só histórias mitológicas, mas pelo visto eram mais reais do que o esperado.
Suspirou aliviada quando ouviu os passos do garoto que lhe vigiava se afastando, alguém o chamara.
Ao se encontrar sozinha, Serena adquiriu uma expressão fria no rosto. Ficou tentada a bisbilhotar a conversa alheia embora soubesse que era errado. Mas não que se sentisse disposta a obedecer as regras.
Levantou e tentou ignorar a dor que sentia na perna esquerda, onde fora atacada pelo monstro.
Encostou-se próximo à entrada da varanda, concentrando sua audição no diálogo entre as gêmeas intrigantes e o centauro que cuidou de si.
— Isso é muito estranho, intrigante - Quiron dizia, coçando a ponta do queixo onde sua barba espessa terminava — sonhos de semideuses geralmente são presságios, mas isso? Praticamente previu a chegada da menina nova sem motivo nenhum.
— Ou pode ser um motivo bem r**m - a gêmea de cabelos curtos retrucou.
Serena se sentiu levemente incomodada. Por alguma razão aquela loira de roupas extravagantes e cabelos curtos lhe despertava uma raiva interior.
— Não vamos nos apressar, Luana. Temos que observar como será a adaptação da Serena antes de tirar conclusões sobre ela - repreendeu o centauro, ainda reflexivo.
Então era mesmo sobre ela.
— Mas e quanto a voz no buraco n***o? - dessa vez fora a gêmea de cabelos longos, Mirana, quem se pronunciou.
Os olhos de Quiron pareciam fora de órbita por um breve segundo.
— Vamos esperar mais um tempo até ter uma idéia mais vaga do que pode ser - concluiu o professor.
As gêmeas se entreolharam, preocupadas. Nada feito e nem explicado até então.
Enquanto isso, Serena saiu dali com cuidado para não ser flagrada espionando, ignorando os chamados de Jayme enquanto saia da Casa Grande e caminhava pelo acampamento sem rumo exato.
Por que tinha a sensação de que eles a viam como uma possível ameaça?