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1832 Words
- Ah! Você está aí – Bruna e Débora vieram correndo até mim – Onde você estava? - Perdida – respondi. - Foi pegar uma bebida e voltou com a personificação da beleza? – Débora lançou um sorriso malicioso na direção de Alex – Está me saindo melhor que a encomenda. - Desculpa – olhei para ele ao meu lado – Essa é a... - A amiga sem filtro – ele disse sorrindo – Eu me lembro. Dei uma risada junto com Bruna para zombar Débora, mas ela não pareceu aborrecida. - Débora. O nome dela é Débora – apresentei os dois – E essa aqui é a Bruna. - Não se preocupe – ela disse, pegando na mão dele – Eu não sou tão inconveniente quanto ela – ela acenou com a cabeça na direção de Débora. - Há, há, há – Débora disse. - Esse é o Alex – terminei de apresentá-los. - Gostei do nome – Débora disse. - Me diz do que você não gostou? – Bruna perguntou. - Já chega, vocês duas! – disse, antes que Débora abrisse a boca para responder. - Hei, eles estão contando histórias – Bruna disse, apontando em direção à fogueira. - E a gente já perdeu uma parte, porque, sabe... Estávamos procurando você – Débora fez uma careta para mim. - Vem! – Bruna me puxou pelo braço e saiu me arrastando atrás dela. Débora ficou para trás de propósito, para poder conversar com Alex a sós. Estava cheio ao redor da fogueira, isso porque só tinha um terço das pessoas ali. A maioria estava bebendo e dançando do outro lado. Acabou que tivemos que sentar em locais separados. Bruna e Débora se sentaram em seus lugares, eu sentei um pouco longe delas, e Alex foi parar praticamente do outro lado. Tinha um garoto terminando de contar uma história, mas ele era tão entediante que nem prestei muita atenção, e parecia que as outras pessoas concordavam comigo. Quando ele finalmente acabou, uma garota se levantou. - Ok, já foi um veterano – ela disse – Agora tem que ser um calouro. Alguém se candidata? – ninguém se moveu – Não sejam tímidos, vamos! – ainda assim, ninguém se candidatou – Ninguém? - Eu faço. Olhei na direção da voz e descobri que era a de Alex. - Legal! – a garota bateu palminhas e se sentou novamente. - Ok – ele respirou fundo e começou a contar – Há muito, muito tempo atrás, na aurora dos tempos, um anjo muito próximo a Deus, Lúcifer, consumido por um ciúme doentio dos seres humanos, se rebelou contra o céu. O resultado dessa rebelião foi a queda de Lúcifer e de todos os outros anjos que ficaram ao seu lado. "Já em seus domínios no inferno, consumido pelo desejo de vingança, Lúcifer selecionou a mão três dos piores seres humanos que habitavam a Terra. Então ele comprou suas almas e os tornou incrivelmente poderosos, criando assim uma nova raça:os Renegados. Lúcifer os tinha criado por apenas um motivo: se vingar de Deus, atingindo-o onde mais doía: destruindo a raça humana. "Com o passar dos anos, os Renegados se multiplicaram, e a raça humana estava se extinguindo. Deus, que nunca intercedia, revoltado, aprisionou Lúcifer para sempre e então selecionou três dos mais bondosos seres humanos que habitavam a Terra e enviou um anjo até eles. O anjo deu de bom grado seu sangue para eles beberem, originando assim uma nova raça de seres humanos, os Kalighans, criados para destruírem o m*l que se apossava da Terra. Daquele dia em diante, um véu se ergueu sobre a Terra, separando os dois mundos. Enquanto ele contava, eu senti como se algo acordasse dentro de mim. De alguma forma, essa história desconhecida parecia familiar. Como se eu conhecesse ela há eras. Como se ela me chamasse. "Os Kalighans, com os anos, assim como os Renegados, também se multiplicaram. Mas havia um grande impasse: equilíbrio. Apesar de todos os esforços, os Kalighans nunca conseguiram cumprir a promessa que fizeram a Deus: destruir para sempre todo o m*l criado por Lúcifer. "Não havia esperanças para eles. Tudo que poderiam fazer era retardar o estrago que os Renegados faziam por onde passavam, mas nunca os destruir completamente. E os Kalighans sabiam que, se continuasse assim, em pouco tempo a raça humana estaria destruída. Imagens começaram a passar por minha cabeça. Ele falava e as cenas passavam diante dos meus olhos, involuntariamente. Como se eu estivesse dentro da história. "Mas há alguns anos, algo aconteceu. Algo que ninguém esperava. A esperança de cumprirem sua palavra para com Deus nasceu. Nasceu em um ser humano, que não era nem uma coisa e nem outra, mas ao mesmo tempo era tudo. A nossa única salvação. Eu podia jurar que ele me olhou nessa hora, apenas nessa hora, durante toda a história. Tinha algo naquele olhar... Algo que eu fiquei com medo de identificar. "Sem ela, não sabemos o que poderá ser do mundo. Provavelmente não haverá mais humanidade para proteger. Não haverá mais um mundo para chamar de casa. Todos pagarão por isso. Inocentes ou não, todos vamos queimar. O jeito como ele falou a última parte, ou o que ele falou, fez meu corpo gelar. Um arrepio subiu pela minha espinha até atingir a base da minha nuca, e eu estremeci. Assim que ele acabou, as pessoas bateram palmas e assoviaram. Ele olhou na minha direção e me encarou. Foi quando eu percebi que estava encarando ele boquiaberta, provavelmente desde o começo da história. Sua postura era normal, mas seus olhos diziam outra coisa.  Desviei o olhar e olhei para as garotas, que também estavam impressionadas. Elas estavam batendo palmas junto com o resto do pessoal. Levantei do tronco onde estava sentada e fui em direção ao barril de bebida. Novamente me senti estranha no meio de toda essa gente. O que era engraçado, porque, se eu me senti estranha novamente, quer dizer que, por um momento, eu tinha deixado de me sentir assim e nem tinha percebido.  Peguei um pouco de Coca no barril e me escorei em uma das árvores ali perto. Não consegui deixar de pensar na sensação estranha que senti enquanto Alex estava contando a história. - Acho que você não gostou muito da história – Alex apareceu de repente ao meu lado, me dando um susto. Ele riu – Desculpa, não queria te assustar. - Não, tudo bem... – retribuí o sorriso. - E aí? – ele pegou um pouco de Coca para ele também – O que achou da história? - Muito boa – fora a parte que ela fez meus cabelos ficarem em pé – Achou no Google? - Não – ele disse, se escorando na árvore ao meu lado – Embora eu ache que se você pesquisar, consiga encontrar. É um mito, às vezes sofre algumas variações com o passar do tempo. - Nunca tinha ouvido. - Então você faz parte dos 99,9% da população que também nunca ouviu. - Bom, eu acho que agora eu faço parte dos 0,1% então. Ele sorriu. - Você e o resto – ele apontou para o pessoal na fogueira, que continuava contando histórias – A diferença é se você acredita ou não. Encarei ele. - Você acredita? Ele sorriu e olhou para o céu. - Você me acharia louco se eu dissesse que sim? - Talvez...  Ele riu. Ficamos calados por um tempo. Ele continuou olhando para o céu, e eu continuei tomando minha Coca. Quando finalmente me senti incomodada com o silêncio, olhei para o relógio e inventei uma desculpa. - Já são dez horas – disse – Acho que já vou indo para o dormitório. - Acho que vou com você. Caso você se perca novamente – ele disse. Sorri. Não o contrariei. Não precisava da companhia dele para chegar ao meu quarto, mas eu meio que queria. Tinha alguma coisa nele que me fazia sentir bem, de alguma forma estranha e incompreensível. Fui até as meninas ver se elas iriam embora também, mas elas estavam muito agitadas, nem pensavam em ir dormir. Acabei indo sozinha com Alex. - Então... – eu disse enquanto caminhávamos – Essa história é bem interessante. Onde ouviu ela? - Você é péssima em puxar assunto – ele deu um sorriso de lado, e acabei rindo também – Mas já que você quer conversar sobre a história... O que você quer saber? - O que são aquelas... "coisas do m*l"? – fiz aspas com os dedos – Renegados, eu acho. São tipo demônios? - Não exatamente.  Demônios são demônios, eles são... – ele procurou pela palavra certa – Diferentes. - Mas porque eles vão extinguir a humanidade se a balança... – fiz o gesto com as mãos – está equilibrada? - A balança está equilibrada porque os números são iguais. É sobre poder que estou falando. - Então os Renegados são mais fortes? – perguntei – Não deveriam. Ele sorriu. - Não é exatamente assim – ele tentou explicar – É que, quando se trata da humanidade, o estrago que eles fazem é mais do que podemos dar conta – ele me encarou – Parece que se impressionou mesmo com a história. - Talvez... Ou talvez eu não tenha mais assunto com um cara que eu acabei de conhecer. Ele sorriu novamente. - Mas enfim... Independente disso, agora temos uma salvação. Não deixei de reparar no jeito como ele contava a história. Encarei ele e dei um sorriso meio debochado. - O que foi? – ele perguntou. - Nada – respondi – Eu só acho engraçado o jeito que você conta a história. Como se fosse real, e você fizesse parte dela. Ele parou e me encarou tão profundamente que por um momento eu achei que ele fosse dizer alguma coisa imprópria e impossível, como: "mas é real, e eu sou um demônio". - Mas essa é a graça das histórias, não é? – ele disse. Sorri. - Pode ser... – ele riu de mim – O que? - Nada – ele olhou para cima – Bem, você está entregue. Olhei para cima também, e só aí notei o prédio do dormitório à minha frente. - Obrigada por me trazer em segurança. Afinal, nunca se sabe quando você pode ser surpreendido por um Renegado, né? – brinquei. Ele riu, mas de uma maneira séria, como se não achasse graça da piada – Até amanhã. - Até... – ele deu as costas e saiu em direção ao outro lado. Observei ele até que desaparecesse nas sombras. Olhando para ele agora, até parecia familiar. O jeito como ele andava, o contorno de sua silhueta, o modo como colocava as mãos nos bolsos. Por que será? Balancei a cabeça, tentando me livrar dos pensamentos, e continuei o caminho até o meu quarto. Quando deitei na cama, a exaustão logo me venceu e caí rapidamente no sono. O que era bom, já que assim não sobraria espaço para eu ficar imaginando coisas que não existiam.
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