- Isso parece delicioso – Débora disse, namorando o pedaço de torta de limão que ela comprou no refeitório.
- Achei que tínhamos vindo só para comprar refrigerante.
- Você sabe que eu não resisto a uma torta de limão.
- Também sei que a Bruna está no quarto esperando a Coca dela – disse, pegando uma das latinhas e abrindo – Neste momento, ela já deve ter achado que fugimos.
- É torta de limão, cara – ela disse.
- E que tal você levar sua preciosa torta de limão lá para cima?
- Você é um porre – ela disse, pegando sua torta e sua Coca e se levantando. Peguei a latinha da Bruna na outra mão e segui ela.
- Você diz isso, mas não vive sem mim – dei um sorrisinho irônico para ela.
- Você que acha... – ela deu um gole em sua Coca.
- Fala sério, você nem teria sobrevivido à escola se não fosse as colas que te passei – eu ri – Além disso, era sempre para a minha casa que você fugia quando...
Fui interrompida abruptamente quando colidi com algo grande e duro. Minha Coca virou em cima de mim e depois caiu no chão junto com a da Bruna. Ouvi Débora dar um gritinho ao meu lado.
- Como eu sou idiota... – resmunguei para mim mesma e olhei para frente para ver no que eu tinha esbarrado.
E descobri que não era o que, mas sim quem...
Senti minhas bochechas ruborizarem quando vi o garoto mais lindo do mundo todo molhado de Coca-Cola. Em outras circunstâncias a situação até que seria interessante, já que ele estava com uma camiseta branca de malha fina, que molhada ficou colada em seu corpo. Mas eu não estava em outras circunstâncias...
- Meu Deus! – eu disse – Me desculpa, eu... Arghhh! Como eu sou i****a.
- Tudo bem – ele disse, lançando um sorriso caloroso para mim, que me deixou sem fala por um segundo – Foi um acidente. Eu também não te vi.
- Se eu estivesse olhando para frente... – ironizei comigo mesma.
- Relaxa – ele alargou ainda mais seu sorriso e percebi que tinha covinhas nas bochechas – Está tudo bem.
- Eu molhei sua camiseta toda...
Ele olhou para sua camiseta molhada e depois me lançou mais um sorriso.
- Tudo bem, não foi tão r**m assim.
- Com certeza não – Débora disse ao meu lado, me fazendo lembrar que ela estava ali o tempo todo – Fica bem legal, na verdade.
Pisei no pé dela com força, fazendo ela exclamar um "ai". Olhei para o completo estranho à minha frente, esperando constrangimento, mas ele apenas sorriu.
- Me desculpa pela minha amiga – sorri timidamente – Ela não tem filtro.
Ele riu.
- Vocês são engraçadas – ele disse.
- Ah, você ainda não viu n... – pisei no pé dela mais uma vez – Ai! Você quer parar de pisar no meu pé?!
- Ah... – fiz cara de chocada – Eu estava pisando no seu pé? Desculpa, nem tinha percebido – lancei um olhar mortal para ela e depois olhei para o estranho – A gente tem que ir, sabe... Para trocar de blusa.
- Ah, claro – ele deu passo para o lado e sorriu mais uma vez – Tudo bem. A gente se vê por aí...
Lancei um sorriso educado em sua direção e saí de lá, arrastando Débora comigo.
- Você viu aquilo?! – ela disse empolgada – Que homem, meu Deus!
- Sabe o que mais eu vi? – disse – Que eu derrubei os refrigerantes no chão. Você vai ter que dar a sua Coca para a Bruna.
- Tudo bem, valeu a pena – ela me entregou a Coca dela.
- Você é i****a? – perguntei – Eu quase cavei um buraco no chão para enfiar minha cara.
- Eu também teria me sentido assim se fosse você. Mas como eu só era a telespectadora, aproveitei a vista – revirei os olhos para ela – O que? Vai me dizer que ele não era lindo?
Eu ri.
- Sim, ele era.
...
Eu estava meio perdida na clareira perto do campus, onde estava acontecendo a fogueira. Estava me sentindo sufocada com tanta gente e fui pegar uma bebida. Acontece que além de eu me perder, encontrei ainda mais gente.
Estavam começando a acender a fogueira agora. Era a última “festa” antes das aulas começarem, então todo mundo estava muito animado. Até o momento o pessoal só estava bebendo e conversando, mas o pôr do sol estava indo embora e a noite estava chegando.
Eu olhava ao redor, para esse mar de pessoas à minha volta, eu não conseguia sentir nada de diferente. Era tudo normal, como sempre foi lá na minha cidadezinha. Não estava me sentindo livre como achei que me sentiria, e isso estava me deixando frustrada.
A faculdade não estava sendo nada do que eu imaginei que seria, mas eu só estava ali há algumas horas. Talvez fosse normal ainda me sentir deslocada no espaço, afinal era só o primeiro dia e as aulas ainda nem tinham começado, embora eu achasse que elas só iriam piorar as coisas. Mas de qualquer forma, não era como se fosse mudar de uma hora para a outra, era?
Talvez fosse... As meninas já se sentiam bem, porém eu não. Eu estava tão ansiosa para esse dia chegar, não era para ser assim. Será que era excesso de expectativas?
Saí da clareira chutando o chão e peguei o caminho de volta para o campus.
Chegando ao pátio principal, me sentei no banco mais próximo. Respirei fundo e coloquei a cabeça entre as mãos. Não tinha ninguém ali, e isso de certa forma deixava as coisas melhores, mas acabava não interferindo em nada no final.
Eu não queria estar ali. Não queria nem ao menos estudar para nada, porque na verdade eu não sabia o que queria da minha vida. Eu nem sabia por que eu tinha achado que a faculdade mudaria isso.
- Está perdida? – ouvi uma voz pouco familiar perguntando. Quando levantei a cabeça, descobri que era o estranho com quem havia esbarrado mais cedo.
- Não exatamente – disse.
Ele estava com as mãos nos bolsos da calça, e com a manga da camisa enrolada até o cotovelo.
- Não exatamente? – ele se aproximou um pouco mais, uma sobrancelha erguida.
- Não estou perdida aqui – fiz um gesto com as mãos, abrangendo o espaço à minha volta – Estou perdida aqui – apontei para minha cabeça – Sei lá...
- Entendi – ele disse, sorrindo – Quer falar sobre isso?
- Eu nem sei o seu nome – eu ri.
- Tudo bem – ele se sentou ao meu lado e pela primeira vez notei seus olhos verdes – Meu nome é Alex. E o seu?
- Ágata – eu disse.
- Então, Ágata – ele sorriu – Agora que já sabe o meu nome, já pode me contar tudo.
Eu ri. Tinha algo no jeito como ele era espontâneo que era engraçado, até fofo.
Respirei fundo. Eu não sabia se queria falar sobre isso, mas talvez fosse uma boa contar para um desconhecido. De qualquer forma, achava que talvez ele pudesse me entender melhor que as meninas, com quem compartilhei esse sonho durante tantos anos.
- É complicado – respirei fundo mais uma vez – Na verdade, nem eu entendo direito.
- Já ouvi dizer que uma história é melhor analisada por quem está de fora dela.
Sorri mais uma vez.
- Eu nasci em uma cidade bem pequena, e eu sempre me senti deslocada lá – sorri amargamente – Sempre achei que quando saísse de lá eu finalmente iria me encontrar. Contei nos dedos os anos que faltavam para eu poder vir para faculdade. Agora eu estou aqui e acabei de descobrir que não mudou nada.
- Não está sendo como achou que seria, não é?
- Nem um pouquinho – fiz uma pausa – Achei que ia me sentir livre de alguma forma, sabe?
- Talvez não seja de liberdade que você precise – olhei para ele, concentrada. Na verdade, pensando bem, ele tinha toda a razão, não era de liberdade que eu precisava. Era de... – Identidade. É atrás disso que você está.
Encarei ele por um momento, atordoada. Ele simplesmente completou meus pensamentos, no momento exato em que eu pensei. Como se estivesse lendo minha mente.
- Tudo bem? – ele perguntou depois que eu fiquei encarando ele por muito tempo.
- Tudo – disse – É só... Estou processando o que você disse.
- Ok – ele riu e olhou para cima – Olha, eles já acenderam a fogueira – ele apontou para o céu com o dedo.
Um pouco ao longe, dava para ver a fumaça da fogueira subir pelo céu, que estava em um tom alaranjado por conta dos últimos raios de sol.
- Você vai aproveitar o último dia de férias, ou vai ficar aqui tentando se encontrar?
- Talvez eu fique aqui – sorri, desanimada.
- Quando procuramos demais uma coisa e não achamos, é porque talvez ela já esteja à nossa procura. Então pare de procurar, e deixe ela te encontrar – ele se levantou do banco e estendeu a mão para mim - Enquanto isso, você vem comigo.
Encarei ele. Bom, ele tinha um ponto.
Sorri e estendi a mão, permitindo que ele me levantasse. Depois fomos para a clareira, em direção à fogueira. No meio do caminho eu não consegui deixar de pensar nessa sensação de que, de alguma forma, eu já conhecia ele.