Alessandro Volkov
Não foi a primeira vez que observei Arthur se aproximar dela com aquela intensidade, com a mesma curiosidade que um cientista dedica a uma nova descoberta. Havia algo na maneira como ele se movia em direção a ela que sempre me chamava a atenção, um magnetismo sutil, quase invisível para a maioria, mas gritante para mim.
Mas, naquela noite, foi diferente. Foi a primeira vez que ele conseguiu arrancar dela aquele tipo de riso – um riso solto, descontraído, que parecia brotar de um lugar profundo e alegre, um lugar que eu nunca havia visto antes nela. Aquele som preencheu o ar, mais do que qualquer música, e parecia ecoar nas paredes, tingindo o ambiente com uma nova cor.
Eu conhecia o riso dela em suas nuances mais formais, educadas, talvez até um pouco contidas. Sabia o som de suas risadas em reuniões, nas conversas de trabalho, ou quando compartilhava uma anedota com colegas. Mas este riso… este era novo. Era genuíno, sem reservas, e revelava uma leveza que eu não sabia que ela possuía.
Enquanto observava os dois, a distância parecia encurtar-se entre eles a cada gargalhada que ela dava. Arthur, com seu sorriso cativante e seu olhar perspicaz, parecia ter encontrado a chave para uma parte dela que ninguém mais havia tocado. E, por um breve instante, senti uma pontada de algo que eu não conseguia identificar – talvez fascinação, talvez inveja, talvez apenas a estranha sensação de que algo importante estava começando a mudar.
O som me atravessou como uma lâmina disfarçada de melodia. Estava parado no vidro do andar superior da empresa, em uma reunião sem importância, quando meus olhos a buscaram — e a encontraram sorrindo, inclinada em direção a ele, como se o mundo tivesse encolhido para caber entre os dois.
Ele se inclinava também. O braço casualmente apoiado no encosto da cadeira dela. O suficiente para parecer inocente. O bastante para me provocar.
E foi ali que senti — mais forte do que o sangue em minhas veias — o impulso de tomar o controle de volta. Pensei:
"Ela é sua. Mas não sabe o quanto ainda."
Na manhã seguinte, ordenei que reorganizassem a agenda dela. Nada drástico, nada que chamasse atenção.
A nova coordenadora de RH receberia dela relatórios semanais.
Um novo código de acesso no elevador da cobertura: agora, apenas eu e Olivia tínhamos acesso direto ao meu andar.
E, claro, a solicitação sutil para que os projetos que ela participava fossem alocados a setores... onde Arthur não estava.
Tudo feito em silêncio, como se o próprio ar conspirasse comigo.
E ela… Ela aceitou tudo com aquele olhar de dúvida branda. Aquele olhar que ainda não sabia se me obedecia por medo, por desejo, ou por alguma linha invisível que já não conseguia desfazer entre nós.
“Isso é proteção.”
Essa é a mentira que escolhi contar a mim mesmo.
Mas a verdade?
A verdade é que havia algo deliciosamente perverso em observá-la reagir à coleira invisível que eu tecia ao redor dela. Algo que me acalmava. Algo que me alimentava.
***
Na sexta-feira, mandei um motorista diferente buscá-la.
Era um carro de luxo, de vidros fumê. Quando ela entrou, havia um bilhete no banco de trás, no meu papel timbrado.
“Está bonita demais para andar sozinha. Alessandro.”
Às vezes, o poder está nos pequenos detalhes.
Quando chegou ao meu apartamento naquela noite, a tensão entre nós era um fio esticado. Ela não perguntou sobre as mudanças.
Mas olhou. Observou.
E quando eu a puxei para perto — pela nuca, com firmeza — ela não resistiu.
— Por que está me olhando assim? — perguntei, os dedos deslizando pela base da coluna dela.
— Porque você está diferente — respondeu, a voz baixa, como uma ameaça velada.
— Não estou diferente. Estou apenas deixando mais claro o que sempre fui.
Ela piscou devagar. Não recuou. Mas não se entregou.
— E o que você é, Alessandro?
Sorri.
— Seu dono.
***
Arthur a chamou para uma reunião informal na segunda. Um café no jardim interno da sede. O tipo de convite que ela hesitaria em recusar — e ele sabia disso.
Arthur sempre soube como deslizar pelas frestas da rotina. Um homem hábil, educado, limpo.
Desprezível, justamente por isso.
Mandei convocá-la para uma reunião extraordinária comigo no mesmo horário. Um teste. Um ultimato silencioso.
Quando ela entrou na sala, cinco minutos antes da hora, percebi que tinha escolhido. Ainda que o corpo dela se mantivesse rígido, ainda que os olhos dissessem algo que ela mesma não admitia.
— Cancelou seu café — comentei, sem levantar os olhos da tela.
— A reunião com você surgiu de última hora.
— E você obedeceu.
Ela permaneceu calada. Mas eu vi.
No leve tremor das mãos ao tocar a pasta de documentos. Na forma como o pescoço corou sob a gola da blusa.
Ela me queria.
Mas também me temia.
Perfeito.
À noite, em casa, ela tirou os sapatos devagar. Os pés descalços contra o mármore soaram mais altos do que o normal. Eu a observava do sofá, o whisky ainda na mão.
— Alessandro… — começou, hesitante.
— Diga, Olivia.
— Por que minha agenda está sendo alterada sem que eu saiba?
Tomei um gole antes de responder.
Apenas o suficiente para que o silêncio pesasse.
— Porque você precisa de alguém que cuide de você.
Ela franziu o cenho.
— Ou alguém que me controle?
Levantei-me. Devagar. Camisa parcialmente desabotoada. As luzes em meia-luz. O cheiro do couro, do álcool e do nosso passado espalhado pela sala.
— E se for os dois?
Ela estremeceu.
E eu me aproximei como um predador no limite da fome.
— Você quer liberdade, Olivia. Eu entendo. Mas liberdade é uma ilusão perigosa para quem está cercada por inimigos — sussurrei, tocando seu queixo. — Arthur não pode protegê-la. Eu posso. Só eu.
Ela tentou resistir, como sempre.
Mas sua respiração já era outra. Seus olhos, dilatados.
Então a beijei. E, dessa vez, não pedi permissão.
***
Horas depois, no escuro do nosso quarto, assisti enquanto ela dormia.
Os lençóis enrolados ao corpo, a pele ainda marcada pelo que fizemos — por como tomei o que era meu.
E ainda assim… havia um incômodo.
Uma pergunta martelando no fundo do meu cérebro.
Ela me escolheu hoje... mas por quanto tempo?
Seria Olivia forte o bastante para resistir a mim?
Ou fraca demais para resistir a Arthur?
Eu não podia arriscar.
Na manhã seguinte, liguei para o departamento de segurança.
Pedi que colocassem vigilância não apenas ao redor dela, mas nela.
Monitoramento remoto. Câmeras disfarçadas.
Nada ilegal, claro. Só o bastante para saber onde ela estava. Com quem.
Com quem.
Essa era a palavra que doía mais.
E quando desliguei, já sabia:
Se eu tivesse que escolher entre liberdade e controle, entre ser seu amante ou seu carcereiro...
Eu escolheria a coleira.
Porque se Olivia era o caos…
Eu era o homem feito para dominá-lo.