Olivia Hayes
O apartamento parecia maior quando Alessandro não estava ali. As cortinas, antes fechadas para conter a luz implacável do sol, agora se mantinham entreabertas, permitindo que raios mornos iluminassem cada canto. Mas, para mim, nada trazia conforto — cada feixe de luz só tornava mais evidente a sensação de vazio e perigo que me acompanhava desde o bilhete de Sergei.
Sentei-me na escrivaninha de vidro fumê, rodeada pelos diários encadernados em couro que eu encontrara dias antes, escondidos numa gaveta trancada do armário. Reconheci as letras de Liandra na lombada: suaves, femininas, porém firmes. Era como segurar a chave de um mundo que eu não conhecia, mas que agora me prometia respostas. Minhas mãos tremeram ao abrir o primeiro volume. O couro exalava um perfume envelhecido, e as páginas amareladas rangiam sob meus dedos.
Comecei a ler. A caligrafia de Liandra, em tinta preta, era impecável, quase coreográfica:
“Ele gosta de controle. E eu gosto de desafiá‑lo. Quando se aproxima, eu recuo; quando me implora entrega, eu suspiro dúvidas. É um jogo silencioso: cada hesitação minha faz com que ele se aproxime ainda mais. É louco, mas é a única maneira que encontrei de fazê‑lo me notar.”
Meu peito apertou. A mesma dinâmica pulsava em meu relacionamento com Alessandro. Eu sentia nele o peso de uma possessão sufocante, e ao mesmo tempo havia em mim o desejo de me entregar por completo, como se a rendição fosse a única prova de amor que ele aceitasse. Mas Liandra encontrara outra forma: o desafio. Fazer com que o coração dele se abrisse pela incerteza, não apenas pela subserviência.
Folheei rapidamente, em busca da próxima entrada significativa:
“Hoje, brinquei de teimar. Quando ele me puxou para a cama, me recusei a deixá‑lo me dominar logo de início. Deixei que o medo tomasse conta e que ele me dissesse meu nome, repetisse: ‘Você é minha’. Foi então que percebi que dominá‑lo, de algum modo, era tão poderoso quanto a submissão.”
Senti um arrepio. Liandra havia descoberto uma forma de inverter a balança: enquanto cedia em alguns gestos, assumia o controle em outros. Era uma dança de poder tão sutil que nenhum dos dois pudesse escapar ileso.
Fechei o volume, o coração batendo com força. Será que eu, verdadeiramente, conseguiria viver essa dualidade? Eu, que sempre me orgulhara da minha independência, estava disposta a me submeter — mas também a desafiar. O conflito interno era doloroso. Eu me descobri dividida: parte de mim ansiava por uma entrega total àquele homem que me consumia em desejo, outra parte temia que essa entrega se tornasse prisão sem grades.
Ouvia o eco dos próprios pensamentos, a sala repleta de meus fantasmas. Olhei para a porta, imaginando o retorno de Alessandro, talvez cansado e faminto por minha presença, ou — pior ainda — por minha total submissão. O medo de decepcioná‑lo crescia, sufocando-me como um manto escuro.
Levantei‑me, trazendo para a mesa o segundo diário, menos ornamentado, de capa lisa. Liandra fora meticulosa em dividir suas estratégias: detalhes de roupas, aromas, olhares, toques. Ela anotava as reações dele: cada franzir de cenho, cada respiração ofegante. Eu percebi que não bastava oferecer corpo; era necessário oferecer mistério. Permitir-lhe caçar-me, do mesmo jeito que ele me caçava.
Fechei os cadernos e encostei-me à escrivaninha, a testa apoiada na palma da mão. O silêncio se transformou em pressão, como se paredes se fechassem em minha volta. Eu precisava agir, definir meus limites e minha forma de amar. Precisava encontrar coragem para propor a Alessandro um novo jogo — um em que eu não fosse apenas a presa, mas também a predadora.
Minha mente flutuou até o momento em que ele entraria pela porta. Imaginei‑o chegando: o corpo largo, a gravata solta, as cicatrizes emocionais em seus olhos. Eu precisava dizer a ele que não se aceitava um amor platônico, mas um duelo de sentimentos, onde ambos tivessem voz, desejo e direito à dúvida.
Bati o pé, determinada, e saí do quarto com os diários escondidos debaixo do braço. O corredor ecoou meus passos precisos. Fui até a sala e corri a cortina, iluminando todo o espaço com a luz do fim de tarde. Não havia refúgio para medos agora; precisava enfrentar o homem que amava — ou, talvez, aquele homem que eu amava.
Minutos depois, a chave girou na fechadura e Alessandro entrou, o rosto ainda marcado pela tensão da busca noturna pelo endereço proibido. Assim que me viu, parou em seco, olhos arregalados.
— Olivia — murmurou, a voz rouca. — Pensei que tivesse ido para a casa dos meus pais, avisei que voltaria cedo…
Ignorei a explicação, erguendo um dos diários com decisão.
— Liandra — disse, firme. — Eu li tudo.
Ele abriu a boca, surpreso, mas conteve a raiva. Coloquei o segundo volume sobre a mesa, ouvindo o eco surdo do couro contra o vidro fumê.
— O que isso significa? — ele perguntou, sem rodeios.
— Significa que estou cansada de ser apenas uma presa. — Dei um passo em sua direção, o corpo tranquilo, mas os olhos em chamas. — Quero um jogo novo. Um em que eu possa ser submissa quando desejar, mas também dominadora, se necessário.
A tensão nos ombros dele se desfez, substituída por algo como… fascínio? Ele se aproximou lentamente, o perfume de seu terno ainda impregnado na roupa. Sua mão tremia levemente quando a estendeu para tocar meu braço.
— Você… realmente quer isso?
— Sim — respondi, o coração disparado. — Quero que veja que não posso ser apenas um brinquedo. Que posso ser livre — mas livre para amar você. Mas dentro das minhas próprias regras.
Ele colocou a mão em meu rosto, os dedos percorrendo minha têmpora.
— Ótimo — sussurrou, firme. — Porque tenho algo a propor também.
Me puxou para si num beijo que misturou possessão e ternura. Suas mãos exploraram meu corpo de uma forma nova: não somente agarrando, mas provocando, desafiando.
Ele sussurrou contra meus lábios:
— Seja minha… mas cuide de mim também. Permita que eu me submeta ao seu toque.
Eu soltei um gemido baixo e segurei o colarinho de sua camisa, puxando-o para um beijo mais intenso. A fluidez do desejo nos envolveu: dominá‑lo e ser dominada, dançar nessa complicada dança de poder. Nossos corpos se moviam na sala, ritmados pela pulsação de nosso desejo compartilhado.
Deixamos a busca de ontem para trás e construímos um presente feito de toques e sussurros: ele ajoelhado diante de mim, beijando minha coxa, antes de voltar para o topo da mesa de centro, prendendo meus pulsos com as mãos enquanto eu desfrutava da sensação de controle temporário. Eu, com as pernas envolvendo sua cintura, guiando-o com vontade própria, lembrando-o que nem tudo era dele para exigir.
Os gemidos e risos contidos preencheram o espaço, um contraste doce e perverso ao mesmo tempo. O jogo de submissão que ofereci mudava as regras: ora eu dominava, ora me abandonava. Cada investida dele era medida, como se ele tentasse decifrar minhas reações, como Liandra fizera um dia. O prazer se tornava nosso canal de comunicação sem palavras.
Quando o ápice explodiu em nós, senti o êxtase de ser tanto dominada quanto dominadora, de reivindicar meu direito de amar e existir sem correntes invisíveis. Caímos exaustos, corpos suados e sorrisos livres de vergonha.
Ficamos assim por alguns instantes, ofegantes, sentindo a cumplicidade recém-forjada. O relógio marcou as horas em silêncio, como se admirasse nossa rendição mútua àquele novo pacto.
Foi então que ouvi um “tique tique” abafado — a campainha. Um som trivial que se tornou abrupto, urgente. Entreabri os olhos e vi Alessandro erguer o lençol do peito, o corpo ainda pulsando de desejo.
— Deve ser alguém que entregou comida — disse ele, mas a expressão nunca me convenceu.
Levantei-me, ainda desnorteada, e fui até a porta. Havia um pacote – grande, simples, sem remetente. O papel pardo estava amassado como se tivesse passado por várias mãos, e um selo de cera vermelha, sem brasão, lacrava a dobra. A campainha tocou novamente, impaciente.
Abri o pacote em sua frente, o coração disparado. Dentro havia apenas um envelope fino e uma única peça de gelo seco — frio ao toque. No envelope, escrito em tinta preta:
“Nossos jogos estão apenas começando.
Não confie em ninguém, nem em quem ama.
S.”
O sangue gelou em minhas veias. O “S.”, inconfundível — Sergei. Minha respiração travou, e senti o peso de tudo o que havíamos enfrentado — a ameaça, os diários, a busca pelo passado… e agora, aquele pacote interrompia nossa redenção.
Levei o envelope até Alessandro, o rosto pálido como porcelana. Seus olhos encontraram os meus, carregados de compreensão e determinação.
— Ele nunca vai parar — sussurrou, a voz dura. — Prometeu um jogo eterno.
Com a mão dele na minha, senti um turbilhão de medo e desejo. Nossos olhares se encontraram, prometendo que, juntos, superaríamos qualquer obstáculo. Contudo, a incerteza sobre o próximo passo de Sergei me consumia… e se, um dia, nosso próprio amor se transformasse em uma armadilha fatal?