Capítulo 36: Fragmentos do Passado

1312 Words
Olivia Hayes O silêncio do apartamento de Alessandro era profundo, cortante como a ponta fria da faca que eu sentia alojada em meu peito desde o encontro no restaurante. A lembrança daquele confronto ainda ardia em minha pele, os olhos de predador dele marcados em minha memória, tornando cada respiração dolorosa. Minhas mãos tremiam ao tocar o bolso do meu casaco, onde a fotografia envelhecida de Liandra permanecia guardada. Aquela imagem, capturada há muito tempo, continuava a me assombrar, criando uma sombra que parecia alongar-se sobre minha identidade, roubando meu reflexo e substituindo-o pelo dela. Não apenas o vestido que usávamos era idêntico, mas havia algo mais profundo, uma semelhança angustiante, quase intangível. “Será que Alessandro me escolheu exatamente por eu lembrá-lo dela?” Meu coração apertou-se ao formular o pensamento, um frio nauseante subindo pela garganta. A dúvida instalara-se, enraizando-se como erva daninha em minha mente. Precisava de respostas claras, definitivas—algo que me dissesse quem eu realmente era para ele. A decisão veio com a força desesperada da necessidade: eu precisava mergulhar mais fundo, enfrentar aquilo que Alessandro mantinha trancado em segredo. Atravessei o corredor largo e entrei em seu escritório privativo, uma sala dominada por móveis escuros, imponentes como ele mesmo. No canto, quase escondido entre duas estantes repletas de livros, estava o antigo baú de madeira maciça. Meus dedos percorreram delicadamente a superfície gasta pelo tempo, hesitando brevemente antes de abrir sua tampa pesada. A fechadura cedeu facilmente, como se estivesse aguardando esse momento. Dentro, uma coleção ordenada de cartas e bilhetes repousava pacificamente, cada um cuidadosamente guardado, protegido do tempo e do esquecimento. Respirei fundo, sentindo um peso esmagador enquanto pegava o primeiro envelope nas mãos. O papel era grosso, texturizado, exalando um aroma suave, antigo e familiar. A caligrafia delicada imediatamente chamou minha atenção: “Meu amado Alessandro, Cada dia longe de você parece uma eternidade, mas em meus pensamentos você nunca se afasta. Espero que nosso amor seja tão eterno quanto nossas promessas. Para sempre, sua, Liandra.” As palavras perfuraram meu peito, uma dor aguda invadindo-me lentamente. Continuei lendo outros bilhetes, e cada nova carta trazia um sentimento mais intenso, uma promessa mais profunda, um amor mais apaixonado e, ao mesmo tempo, mais trágico. Minha respiração estava curta, meu peito apertado enquanto lia cada palavra, reconhecendo nelas os traços da relação que Alessandro e eu tínhamos. Tudo parecia uma reprodução dolorosa, como se eu estivesse presa em um papel que não era meu, representando um amor que já existira antes. “Meu Deus, será que ele vê Liandra quando me olha?” O pensamento me esmagava, sufocava. Minha garganta queimava com lágrimas que eu lutava para reprimir. Meu coração estava despedaçado diante da terrível possibilidade de não passar de uma sombra do passado dele. Atrás de mim, um ruído discreto fez com que me virasse bruscamente, quase derrubando as cartas no chão. Alessandro estava parado à porta, observando-me com olhos sombrios, impassíveis, a tensão marcando suas feições. — O que você está fazendo, Olivia? — Sua voz estava fria, controlada demais. Ergui-me lentamente, ainda segurando as cartas nas mãos. O olhar dele caiu sobre os papéis antigos, e por um instante percebi a dor profunda refletindo-se em seus olhos escuros. — Procurando respostas — murmurei, tremendo, mas sem desviar o olhar. — Algo que você nunca me deu claramente. Ele avançou para dentro da sala, cada passo ecoando pesado, firme, dominante. — Isso não pertence a você. — Sua voz era baixa, quase ameaçadora. — Mas é sobre mim, não é? — perguntei, enfrentando-o com firmeza, mesmo sentindo-me pequena sob o peso daquelas revelações. — Sou apenas um eco dela para você? Alessandro cerrou a mandíbula, olhos queimando em fúria contida. — Nunca diga isso — sua voz saiu como um sussurro áspero, ameaçador. — Então explique, Alessandro — pedi, minha voz tremendo pela emoção represada. — Explique por que eu uso roupas que ela usava. Por que você me leva aos mesmos lugares, me toca da mesma maneira… Será que eu sou realmente a mulher que você deseja ou só um fantasma conveniente? Ele aproximou-se num movimento brusco, segurando meus pulsos com força, os olhos sombrios ardendo de raiva e dor entrelaçadas. — Não ouse questionar o que sinto por você! — rugiu, sua voz áspera. — Você não faz ideia do que vivi, da dor que enfrentei quando a perdi. — E é por isso que você me recriou à imagem dela? — provoquei, as lágrimas finalmente escorrendo sem controle. — Para não enfrentar essa dor? O rosto dele suavizou um pouco, a expressão transformando-se num misto de desespero e remorso. Alessandro soltou meus pulsos delicadamente, a respiração pesada, quase descontrolada. — Não é assim, Olivia — murmurou, finalmente deixando transparecer a vulnerabilidade que ele tão cuidadosamente escondia. — Quando você surgiu em minha vida, eu não consegui evitar reconhecer a semelhança. Isso me assustou tanto quanto encantou. Senti o coração apertar-se violentamente ao ouvir aquilo, a confirmação parcial do meu maior temor. — Então é isso… você está comigo por quem eu pareço ser. — Não! — ele interrompeu abruptamente, avançando novamente. Seu olhar estava angustiado, quase suplicante agora. — Não mais. Talvez no começo… mas agora eu amo você. Por você mesma, não pela sombra dela. Soltei um riso amargo, afastando-me lentamente. — Como posso acreditar nisso, Alessandro? Quando cada passo nosso parece seguir exatamente o roteiro da vida dela? Ele ergueu a mão, como se quisesse me tocar novamente, mas recuou no último momento, frustrado e impotente. — O passado é algo que eu não controlo totalmente, Olivia. Mas você precisa entender que meu amor por você é real. Sim, talvez eu tenha repetido erros, tenha te levado aos mesmos lugares, mas o que sinto agora é por você e apenas você. Balancei a cabeça, derrotada, incapaz de aceitar plenamente suas palavras, apesar de sentir a sinceridade nelas. — Não sei se consigo acreditar nisso, Alessandro — murmurei, encarando-o diretamente. — Porque tudo ao meu redor diz exatamente o contrário. Ele ficou imóvel por um instante, encarando-me com intensidade desesperada, percebendo talvez pela primeira vez que estava prestes a me perder de verdade. — Então deixe que eu prove isso a você — implorou baixinho, sua voz rouca de emoção. — Deixe-me mostrar que você é tudo que eu desejo. Desviei o olhar, sentindo-me frágil demais, vulnerável demais diante dele. — Preciso pensar — sussurrei, caminhando lentamente para fora do escritório. — Preciso de tempo para entender. Alessandro não me seguiu. Ao sair, lancei um último olhar para trás, encontrando-o ainda parado no centro da sala, devastado, cercado pelos fragmentos do passado que agora ameaçavam nosso futuro. O apartamento parecia ainda mais escuro e sufocante enquanto eu caminhava lentamente para o quarto, fechando a porta atrás de mim. Deitei-me na cama, a foto de Liandra ainda apertada em minhas mãos trêmulas, lágrimas silenciosas escapando sem controle. O silêncio em volta pesava, interrompido apenas pelo batimento acelerado de meu coração. Minhas dúvidas cresciam em espirais angustiantes. Quem eu realmente era para Alessandro? Seria possível viver um amor verdadeiro sobre as ruínas dolorosas do passado? Perdida em meus pensamentos, quase não percebi o celular vibrar ao meu lado. Abri rapidamente, o coração disparando ao ver a mensagem curta e ameaçadora que surgira na tela: "Você está certa em duvidar, Olivia. Pergunte a ele sobre o que realmente aconteceu com Liandra naquela noite. Talvez então você entenda." Meu sangue gelou imediatamente, a respiração escapando em um suspiro assustado. As perguntas multiplicaram-se freneticamente em minha mente: quem era o autor daquela mensagem? Será que é Sergei? Que segredo terrível Alessandro ainda escondia? Naquela noite, enquanto encarava o teto, sentindo o peso insuportável das revelações, compreendi que, se quisesse viver esse amor, teria de atravessar o fogo do passado. Ou permitir que as sombras de Liandra consumissem tudo que restava de nós.
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