Capítulo 08

1276 Words
Após deixar o bordel, não voltei para casa. Em vez disso, segui em direção ao depósito na zona industrial da cidade. Um dos meus carregamentos mais sensíveis havia chegado naquela manhã, e eu queria conferir pessoalmente. O local estava vazio por fora, como sempre. Apenas um galpão silencioso, com portas metálicas e câmeras discretamente instaladas. Por dentro, homens armados carregavam caixas com precisão cirúrgica. Nenhum erro era permitido. Cada arma registrada, cada número conferido. — Tudo limpo — disse um dos encarregados. — Nenhuma baixa, nenhum problema na fronteira. Assenti com a cabeça, observando as caixas abertas: rifles de assalto, pistolas novas, peças sobressalentes. Tudo exatamente como eu havia encomendado. Peguei uma das pistolas. Fria. Precisa. Letal. Depois de checar os documentos e confirmar que tudo estava em ordem, parti para a reunião do conselho. O prédio onde aconteciam as reuniões ficava em um andar reservado de um hotel de fachada respeitável, mas com corredores que abrigavam decisões perigosas. Homens experientes, chefes de famílias antigas e novos nomes sentavam-se em volta da grande mesa oval. O silêncio quando entrei era mais um sinal de respeito do que de cordialidade. Sentei-me à cabeceira, como era esperado. — Tenho um comunicado — disse, direto. — Dentro de uma semana, acontecerá minha festa de noivado. Os murmúrios começaram quase imediatamente. Um dos homens mais velhos, Don Marcello, ergueu uma sobrancelha. — Noivado? Com quem? — Com Ane Moretti. O nome ecoou como uma pedra lançada em água parada. Vários se entreolharam. Havia dúvidas nos olhares, julgamento nos silêncios. — A filha do Charles Moretti? — indagou outro homem. — A garota comum? — Ela não é uma garota comum — afirmei, firme. Um dos conselheiros mais jovens se inclinou para frente, a expressão carregada de dúvida. — E ela é digna de ser esposa de um Don? De carregar o seu nome? Cruzei os braços e encarei todos à mesa. — Não estou interessado em julgamentos de sangue ou berço. Se ela ainda não entende esse mundo, vai aprender. O importante é que será minha esposa. E a partir do momento em que usar meu sobrenome, o respeito a ela será absoluto. — Fiz uma pausa. — Alguém aqui pretende contestar isso fora desta sala? O silêncio que veio depois foi mais eloquente do que qualquer resposta. — Ótimo. Por mais que vocês não precisem de uma explicação, mesmo assim darei: ela é herdeira da família Moretti. Neta de Esteban Moretti. O impacto foi imediato. Todos me encararam em silêncio, surpresos, recalculando mentalmente os laços e os riscos. — A festa será discreta, apenas para aqueles que realmente importam — continuei, levantando-me. — E deixarei claro: ela não é uma conquista social. É uma escolha minha. E escolhas minhas não são debatidas. Saí da sala com passos firmes, sabendo que tinha deixado a mensagem clara. Eu não precisava da aprovação deles — só do respeito. E gostassem ou não, Ane Moretti agora fazia parte do jogo. Ane Quando o carro parou diante do campus, eu desci apressada. O segurança m*l teve tempo de me acompanhar com o olhar — eu já corria pelos corredores. Sofia e Diego estavam me esperando na entrada do prédio, visivelmente tensos. — Desculpa! — murmurei, sem fôlego, abraçando os dois. — A gente se fala depois. Se não corrermos, perdemos a prova. Eles assentiram, e seguimos juntos, quase tropeçando nos próprios passos até entrar na sala. m*l consegui respirar antes de receber a folha com as questões. A caneta escorregou da minha mão assim que terminei de responder a última pergunta. Fechei os olhos por um segundo, tentando afastar a tensão dos ombros. A prova de Anatomia Humana exigiu o máximo da minha concentração, mas eu consegui. Ainda era cedo no curso, mas cada etapa me aproximava do meu objetivo. Meu sonho. Ser médica nunca foi uma escolha imposta. Eu cresci observando meu pai salvar vidas em centros cirúrgicos, virando noites no hospital, e ainda assim voltando para casa com o olhar de quem amava o que fazia. Ele era neurocirurgião. Brilhante. Respeitado. E meu maior exemplo. Sempre quis seguir seus passos. Queria ser como ele. Mas agora… agora eu não fazia ideia de como continuar caminhando nessa direção. Porque, de repente, minha vida deixou de ser só minha. Quando saí da sala, meus passos me levaram até o corredor onde Sofia e Diego me esperavam. Os dois estavam me olhando de um jeito esquisito, como se soubessem que algo estava errado. — Ane, que carro era aquele? — perguntou Sofia, os olhos arregalados. — E por que você não veio com seu fusca? — E aquele segurança com cara de quem mata por esporte? — completou Diego. — Você entrou como se fosse... sei lá, uma princesa da máfia. Suspirei. Senti meu estômago se contrair e decidi não enrolar. — Meu pai me perdeu em uma aposta. Eles me encararam em silêncio. Nem mesmo a Sofia, filha de um dos homens mais influentes da máfia, conseguiu disfarçar o choque. — Como assim te perdeu? — ela repetiu. — Um jogo de cartas, fichas demais na mesa… e eu era a garantia da dívida. Agora estou prometida a Sebastian Mancini. Sofia empalideceu. Diego soltou um palavrão baixo. — Você tá brincando. — Queria estar. Mas não. Vou ter que me casar com ele. Sofia levou a mão à testa. — Ane… o Mancini? O homem que está prestes a assumir o conselho? Ane, esse cara mete medo em outros Dons. Ele é... perigoso. Assenti, sem dizer nada. — Agora você entende por que eu tenho medo de que meu pai me force a casar? — ela murmurou, ainda chocada. — Ser filha de mafioso é aceitar certas coisas... Eu meio que já me resignei. Só espero que o homem que me escolher pelo menos tenha um coração — ela riu sem graça. — E, se for bonito como o Mancini, que seja o pacote completo. — Eu não fui escolhida, Sofia. Fui transferida como parte de uma dívida. Diego observava tudo em silêncio, até soltar uma risada curta. — Nesses momentos eu agradeço por ser apenas um Zé Ninguém. Ninguém quer casar os filhos comigo pra formar alianças. Nós rimos. Um riso curto, cansado, meio desesperado. Mas ainda assim, riso. Depois Diego me olhou com mais atenção. — Ane… desculpa, mas isso tá me cheirando estranho. O Mancini não aceitaria uma mulher qualquer como noiva. Você tem certeza de que ele está fazendo isso só por causa da aposta? Não tem outra razão? Eu fiquei em silêncio. — É o que me disseram — respondi, finalmente. — Mas... eu também ando me perguntando isso. Sofia cruzou os braços, pensativa. — Eu vou pedir pro meu amigo investigar a fundo. Ele consegue vasculhar tudo, até o que a máfia tenta esconder. Se tiver algo que você precisa saber, ele vai descobrir. — Obrigada, Sofia — sussurrei, tocada pela lealdade dela. — De verdade. Falamos por mais alguns minutos sobre a prova, e por um instante quase esquecemos a tempestade. Mas bastou eu cruzar os portões da faculdade para lembrar de tudo. O SUV preto me esperava, o segurança escorado na porta como uma sombra viva. Apenas acenei com a cabeça e entrei no carro, sem trocar uma palavra. Enquanto o veículo seguia pelas ruas, olhei pela janela, sentindo o coração apertado. Cada metro percorrido me afastava da minha vida de antes. Da estudante de medicina que sonhava com bisturis e cérebros, e me empurrava mais fundo na realidade de alguém que agora... era noiva de um mafioso. Sebastian Mancini. E o pior? Parte de mim queria entender por que ele parecia me querer ali.
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