Episódio 4

1695 Words
Tenho dificuldade em me concentrar em cozinhar e não consigo parar de olhar para o meu telefone. Quero desligá-lo, mas por motivos de trabalho tenho que mantê-lo ligado e no volume máximo. A visita à loja foi bastante desconcertante para mim. Tenho medo que as chamada de um número desconhecido voltem. Tenho medo de perder a minha paz. Eu começo a trabalhar, para que a minha ansiedade desapareça com o trabalho. Não recebo nenhuma ligação ou mensagem estranha, apenas da minha chefe Lilly com detalhes adicionais sobre a importante tarefa que temos para o dia seguinte. Embora eu saiba de cor as receitas e os processos, hoje estou desatenta. Deixo cair coisas e não respondo ao nome de Olivia quando os meus colegas de trabalho me chamam. O incidente no estacionamento me perturbou mais do que estou disposta a admitir. A sombra daquele encontro perturbador persiste em minha mente porque reavivou todos os sentimentos ru*ins que Richard me fez sentir e que eu acreditava estarem bem enterradas no fundo da minha memória. Minhas mãos tremem levemente enquanto decoro um bolo e estrago o fondant que havíamos preparado. Larissa percebe a minha distração. — Você está bem, Olivia? Ela me pergunta. A realidade fica confusa enquanto me esforço para lembrar cada detalhe daquele encontro no estacionamento da loja, quando o oposto deveria ser verdade e eu deveria me esforçar para esquecer cada detalhe, esquecer todo o meu passado. Mas isso é estéril, porque para esquecer não é preciso realmente fazer esforço para esquecer. Quando você pensa em esquecer algo isso volta mais forte. Procuro relaxar, me divertir, focar no trabalho. — Sim, sim, estou bem, só não dormi bem. Respondo a Larissa. Os exercícios respiratórios tornam-se meu refúgio temporário. Fecho os olhos, inspiro profundamente, prendo a respiração e depois expiro lentamente. Sem parar de amassar, misturar e decorar, repito várias vezes esse processo, tentando limpar a mente da inquietação que se apoderou de mim. O relógio avança rapidamente e, de repente, percebemos que o dia avançou imperceptivelmente e são quase seis da tarde. Embora o outono tenha mostrado a sua paleta de cores, estes são dias quentes, e ainda há um vestígio de luz solar que podemos ver através da porta de vidro da cozinha onde preparamos os bolos para a vitrine à entrada da confeitaria. Entre Larissa e eu revisamos o andamento do que foi preparado. A atmosfera é vibrante com a expectativa do pedido de amanhã. É um evento muito importante que nos dará o lucro de um mês inteiro num único dia. Lilly entra na cozinha e examina silenciosamente cada detalhe. Ela confia em sua equipe, mas também gosta de interferir em todos as parte do processo. — Como vão as coisas aqui, meninas? Ela nos pergunta. – Tudo está sob controle. Larissa responde com um sorriso. — E os sonhos de creme ficaram deliciosos. Acrescento. O ambiente parece descontraído, mas o verdadeiro teste ainda está por vir quando Lilly decide pegar uma colherada da massa dos bolos que estamos prestes a assar. Observamos com expectativa enquanto ele pega uma pequena porção, mas o suficiente para que as suas papilas gustativas saboreiem a mistura. Sua expressão muda rapidamente de otimismo para preocupação e depois para desgosto. — Que diab*os é isso? Lilly franze a testa. Larissa e eu trocamos olhares nervosos. — Não, não é uma piada. Lilly faz piadas assim. — Olivia, você fez essa mistura? Lilly me pergunta, me olhando diretamente nos olhos. — Sim, Lilly, seguindo a mesma receita de sempre..., aquela que você tanto gosta desde que lhe mostrei. Respondo insegura. Em outro momento eu teria certeza de que fiz tudo passo a passo, porque sou muito meticulosa, mas o encontro no estacionamento com aquele homem misterioso e a lembrança de Richard me fizeram abandonar qualquer vestígio de autoconfiança. – Isso está horrivel. Lilly resmunga, cuspindo o que estava em sua boca. Permanecemos em silêncio. Lá fora há um cliente que nos observa no balcão.pela porta de vidro. — Aqui, experimente isso. Diz Lilly, servindo a mim e a Larissa uma concha de mistura. Como a colher inteira numa vã tentativa de provar que não tenho nada a temer. Larissa experimenta apenas uma pequena porção. Ela certamente conhece a sua chefe melhor do que eu. Cuspi todo o conteúdo na pia. Lilly está certa, minha preparação não é comestível. Em vez de açúcar acrescentei sal e algum ingrediente que lhe deu um gosto amargo terrível. — Tenho certeza de que é apenas um pequeno erro. Podemos corrigir isso. Larissa tenta acalmar a situação. — Não é um erro pequeno. É enorme. É um grande erro. Estes bolos são a espinha dorsal de todo o evento para o qual nos contrataram. Precisamos que eles sejam perfeitos. Diz Lilly seriamente. Tento dizer alguma coisa, mas nem sei o que dizer. Não tenho desculpas. É um erro injustificável. – O que você estava pensando, Olivia? Você sabe o que isso implica? Olho em volta, procurando Olivia entre os outros padeiros. Mas acontece que Olivia sou eu. Larissa fica com pena e intervém. Ela se culpa pelo desastre. Ela explica que rotulou incorretamente os produtos, trocou o sal por açúcar, o fermento por açúcar mascavo. Mas a confusa fui eu que os rotulei errado na minha cabeça. — Bem, você tem três horas para consertar essa bagunça. Vocês não dormem hoje, não saem daqui até resolverem isso. E nem pense que eu vou pagar hora extra. Diz Lilly, levantando a voz e saindo da cozinha batendo a porta com um estrondo. Os assistentes John, Alba e Mary se entreolham desapontados. Eles olham com raiva primeiro para Lilly e depois para Larissa. Eles acreditam que a culpa foi dela e não minha, a estrela da padaria. Não se trata apenas de preparar novamente as misturas, mas de buscar mais suprimentos. A tarefa de voltar ao armazém para comprar mais farinha e ovos torna-se um desafio assustador. Minhas pernas tremem de ansiedade e um nó se forma no meu estômago. Depois do perturbador incidente no estacionamento, a ideia de voltar àquela loja, ou mesmo a qualquer outra, me enche de pavor. Embora Larissa não saiba dos detalhes do ocorrido, ela percebe meu desconforto e sugere irmos juntas. – Talvez eu não consiga avançar muito aqui sem os ingredientes que faltam. Ela me diz. A verdade poderia ser deixar assando ou terminando de decorar o que está pronto, mas não vou dizer isso. Preciso que ela me acompanhe. Talvez ela queira ir comigo porque não confia em mim e acha que vou chegar com um saco de sal ou alho moído em vez de farinha. No entanto, sinto que ela é sincera em sua oferta. Algo em seu instinto feminino sabe que não deve me deixar ir sozinha. Agradeço a sua disposição em me acompanhar em meio ao meu desconforto. A noite já caiu sobre Denton, as luzes das ruas de paralelepípedos iluminam o caminho. Larissa dirige e eu sou o copiloto no carro. Conseguimos chegar à loja pouco antes de fechar. Ao sair com os suprimentos, um suspiro de alívio se mistura com uma inquietação persistente. Admito para Larissa que também foi meu descuido em não antecipar a compra de mais suprimentos, o que nos fez perder quase mais de uma hora. Durante o retorno Larissa me conta sobre si mesma, sobre a sua vida, ela se abre não só como colega de trabalho. – Se eu pudesse, mudaria para outro lugar. Não há futuro aqui. Ela me diz. — Infelizmente. Eu não conto a ela sobre os meus movimentos repetidos nem digo a ela que ela tem sorte de poder estar no mesmo lugar por tanto tempo. Só estou lhe contando, como se fosse uma frase repetida por um mentor de desenvolvimento pessoal: a estabilidade é importante. — Sim, mas em um lugar onde posso fazer mais coisas. Não aqui. — Achei que você se sentisse confortável na confeitaria. — Sim, eu gosto do meu trabalho. E apesar do mau humor, Lilly é uma ótima pessoa. Mas fora isso Denton é um oásis de tédio... os homens aqui são casados. Já entendi a que tipo de tédio Larissa está se referindo. – Deve haver alguns que não são. Talvez você não tenha pesquisado bem. — Bem… sim, há um que é solteiro e muito bonito, mas ele é um idio*ta. Ele não quer nada sério, só sinto que ele está fisicamente atraído por mim para sair e nada mais. Olho detalhadamente para Larissa e confirmo a minha primeira impressão, ela é uma mulher muito atraente. Parece-me que além de linda ela tem um bom coração, como demonstrou ao se culpar pelo meu erro na confeitaria. Entendo que te incomoda que o seu pretendente não esteja interessado em sua personalidade, mas apenas em seu corpo. – E qual é o nome do idi*ota? Pergunto para que ela continue me contando. — Stephen. Ela diz, suspirando. Obviamente ela gosta dele. — Você vai conhece-lo. De vez em quando ele passa na confeitaria para me visitar. Ela acrescenta. — Ok, estarei de olho para conhecer seu namorado. Digo a ela, presumindo que esse Stephen deve ser muito bonito para ser apreciado por alguém como Larissa, que certamente deve ter gostos muito exigentes para homens. — Então ouça meu conselho, Olivia. Se você quer se casar, Denton não é lugar para uma mulher como você, como nós. Fuja assim que puder. Ela me diz rindo. Não quero saber mais nada sobre fugir. Casar muito menos. — Por que você se culpou pelo meu erro hoje? Eu pergunto der repente trocando de assunto. Ela pensa antes de responder. — Não sei. Eu achei que deveria fazer. E embora eu não saiba nada sobre você, sinto que você carrega um grande peso sobre você. E se eu pudesse ajudar você a não ter mais nenhuma preocupação, fiz a minha parte. Além disso, Lilly não me demitiria. São muitos anos de relacionamento de trabalho. Mas quem sabe você? Então eu fiz o que tinha que fazer. Suas palavras me emocionam. Isso me faz querer beijá-la e abraçá-la, mas contenho minha efusividade porque não quero que ela perca a direção do carro.
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