📖 Capítulo 15 – Confissões de Amigas

1298 Words
📖 Capítulo 15 – Confissões de Amigas Narrado por Olivia O sol ainda era tímido no céu, m*l tingindo o horizonte com tons de laranja e rosa, mas a cozinha já estava viva com cheiros e risadas. A panela de brigadeiro chiava levemente no fogão, o bolo crescia no forno e nós, eu e Júlia, estávamos ali, de aventais floridos e cabelo preso de qualquer jeito, mexendo, provando e rindo como se aquele fosse o maior segredo do mundo. — Cuidado pra não queimar o fundo, mulher! — Júlia disse, me empurrando de leve com o quadril, o sorriso espalhando-se pelo rosto. — Tô mexendo desde que essa panela esquentou! — retruquei, rindo e tentando manter o brigadeiro em movimento sem deixar que grudasse. — É você que tá roubando colherada como se fosse degustadora oficial. — E sou mesmo! — disse ela, esticando a língua e me entregando outra colher. — Toma. Se é pra atacar, que seja em dupla. O aroma do chocolate quente se misturava ao cheiro do bolo que crescia lentamente no forno. Estava quente ali dentro — não só pelo calor do fogão, mas pelo calor da nossa amizade. Um calor que não precisava de explicação, de promessas ou de palavras bonitas demais. Só existia, como o abraço apertado de alguém que sempre esteve ao seu lado, mesmo nos momentos mais difíceis. Sentamos na bancada, apoiando os cotovelos, observando o brigadeiro esfriar. Júlia me olhava com aquele brilho curioso que só ela sabia ter, o tipo de olhar que parece esperar confissão de coração aberto. — Cê já pensou no que vai fazer agora? Tipo… trampo, estudo, plano de vida nova? — perguntou, lambendo o restinho da colher. Suspirei fundo, sentindo o peso da responsabilidade misturado à esperança que começava a crescer em mim. — Tenho pensado em voltar a estudar. Talvez algo ligado à assistência social… administração… não sei. Ainda parece tudo tão novo, mas, pela primeira vez, isso não me assusta. — Respirei fundo, olhando para o brigadeiro, pensando em quantas vezes na vida eu tinha me sentido paralisada pelo medo. Agora, ao contrário, sentia uma força silenciosa que me empurrava pra frente. Ela ficou em silêncio por uns segundos, balançando a perna inquieta, até que criou coragem para se abrir. — Posso te contar uma parada? Mas é tipo, segredo de coração, tá? — Júlia, a gente já dividiu até absorvente. Fala. — Sorri, incentivando-a. Ela riu, mas o nervosismo ainda estava no olhar. Passou a mão pelo cabelo, respirou fundo e largou: — Tô gostando do Menor. — Sério? — arregalei os olhos, surpresa. — O Menor… do bonde do Kael? — Esse mesmo. O “não-me-apaixono-nunca” que adora bancar o marrento — disse, revirando os olhos. — Mas comigo… sei lá. Às vezes ele solta umas verdades, me ouve de um jeito… eu fico desconcertada. — E vocês tão ficando? — perguntei, curiosa, querendo imaginar minha amiga feliz. — Já rolou uns beijos. Umas madrugadas. Mas é tudo no sigilo… e eu fico com medo, Livi. De gostar demais, de misturar tudo. Vai que ele só tá de onda? Puxei a mão dela e segurei firme, tentando transmitir coragem. — Eu entendo. Mas se você sente que tem algo verdadeiro ali, você tem todo o direito de viver. Se for pra quebrar a cara, a gente cola com Super Bonder depois. Só não deixa o medo te paralisar. Ela me olhou, olhos marejados, mas com um sorriso tímido surgindo no rosto. — Às vezes eu esqueço o quanto cê é boa com palavras. — Eu só devolvo o que você já me deu um monte de vezes — respondi, com um sorriso, lembrando de quantas vezes nossa amizade foi o meu porto seguro. O forno apitou e nos levantamos correndo, como duas meninas animadas, rindo alto. O bolo estava perfeito, dourado por cima, macio por dentro. Cortei uma fatia ainda morna, e Júlia me olhou com aquela expressão de “vamos dividir sem cerimônia mesmo”. — Cê ama o Kael, né? — ela soltou de repente, como se tivesse esperado o momento certo durante todo o dia. Parei por um instante, a forma quente na mão. O coração bateu mais rápido, lembrando de cada gesto dele, de cada olhar, de cada promessa silenciosa que nos unia. — Acho que sim — falei, com voz baixa, quase como se tivesse medo de admitir. — Mas é mais do que isso… é confiar nele de olhos fechados. Depois de tudo que vivi, isso vale mais do que qualquer declaração. — Ele te olha como quem vê futuro — disse ela, com um brilho nos olhos que só os melhores amigos conseguem ter — Isso já diz tudo. Nos sentamos novamente, cortando o bolo em fatias generosas e servindo-nos com xícaras de café ralo, sem cerimônia, sentindo cada mordida e cada gole como um presente. Entre cheiro de chocolate, vapor de café e confissões sussurradas, a vida parecia caber naquela cozinha pequena. Cada risada, cada conselho, cada toque leve na mão da outra, me lembrava que mesmo longe de onde nasci, eu finalmente estava em casa. Enquanto isso, Júlia continuava soltando pequenos segredos, medos e sonhos, e eu compartilhava os meus. Falávamos de pequenos detalhes do dia, das pessoas que estávamos conhecendo, das coisas novas que estávamos aprendendo. Cada conversa nos aproximava ainda mais, nos dava coragem para enfrentar o que viesse. — Cê lembra quando a gente achava que não ia conseguir nem sair de casa sem brigar? — disse Júlia, rindo com nostalgia. — Como esquecer? — respondi, sorrindo. — Agora, olha a gente… brigadeiro no fogão, bolo no forno e sonhos grandes no coração. Ela me empurrou levemente com o ombro e gargalhou. — É, Livi… e olha que eu ainda vou te ver tropeçar algumas vezes, mas vou estar aqui pra levantar você. Sempre. — E eu vou estar pra você também — respondi, apertando a mão dela, sentindo a segurança da amizade, aquela que nenhuma distância, nenhum medo e nenhuma dúvida poderia apagar. O sol já estava mais alto, a luz entrando pela janela, iluminando os fios de cabelo presos, o avental com manchas de chocolate e café, e cada ruga de sorriso no rosto da Júlia. Aquele instante simples, cheio de cheiro, sabor e risadas, parecia conter toda a força do mundo. Eu sabia que as batalhas ainda viriam, que o passado ainda tentaria nos alcançar, mas naquele momento, tudo estava certo. Ali, naquela cozinha, com brigadeiro, bolo e café, eu podia ser eu mesma. Sem pressa, sem medo. Apenas viva. — Livi… — Júlia disse baixinho, depois de um silêncio confortável — obrigada por me deixar fazer parte disso tudo. Por confiar em mim, por… ser você. — Jú… — respondi, emocionada — obrigada por me lembrar que eu posso confiar. Que mesmo depois de tudo, dá pra ter alegria de novo. E assim, entre risadas, confidências e cheiro de chocolate, percebi que finalmente havia conquistado o lugar mais importante do mundo: um lar que eu podia chamar de meu, onde o passado existia apenas como lembrança e o futuro estava aberto, cheio de possibilidades. Um lar que não era só o teto sobre minha cabeça, mas os corações que estavam ao meu redor, me acolhendo e me fortalecendo. A amizade de Júlia era meu alicerce, Kael era meu porto seguro, e eu, pela primeira vez em muito tempo, sentia que podia ser inteira, mesmo com todos os pedaços que já haviam se quebrado. Naquela cozinha pequena, entre brigadeiro, bolo, café e confidências, eu entendi: a vida era feita de escolhas, e eu havia feito a minha. Eu escolhi viver, escolher amor, escolher confiança, escolher recomeço. Mesmo longe de onde nasci, mesmo carregando cicatrizes, naquele instante, eu finalmente estava em casa.
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