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779 Words
O laboratório de química às nove da manhã parecia um castigo divino. Luz fria, cheiro de álcool e vidro limpo, e uma pilha de anotações que eu ainda não tinha revisado direito. A professora Lúcia andava de um lado pro outro, repassando as diretrizes do projeto, enquanto a maioria dos alunos fingia prestar atenção e, na verdade, só queria que tudo acabasse logo. Eu estava sentada na bancada quatro. À minha esquerda, Theo. O novo. Nerd. Óculos redondos e camiseta do Radiohead. Um dos poucos que realmente parecia gostar de química. — Você dormiu pouco também ou sempre tem esse olhar de "vou morrer aos poucos"? — ele perguntou, sem levantar os olhos do caderno. — Dormi pouco, estudei menos, e ainda fui numa festa ontem — respondi. — Tudo em nome da decadência universitária. — Impressionante. Ainda parece mais viva do que metade da turma. — Eu funciono à base de sarcasmo e cafeína. Ele riu — baixo, rápido, mas genuíno. Theo era estranho no melhor sentido. Quieto, mas afiado. Observador. E tinha uma forma de falar que parecia ensaiada, mas não era. Como se cada frase fosse uma linha de roteiro de algum filme cult que só ele entendia. — Então... você e o Jace, né? — ele perguntou depois de um tempo, enquanto colocávamos os óculos de p******o. — É — respondi, tentando soar casual. — Ele é o oposto de você. — Uhum. — Isso te atrai? — Isso me desafia. Theo assentiu, como se aquilo fizesse todo sentido. — Acho interessante. Tipo reações instáveis. Às vezes dá certo. Às vezes explode o laboratório. — A metáfora foi bonita. E também assustadora. — Eu tento. Começamos o experimento com Kayla e Liv na bancada de trás, as risadinhas disfarçadas se misturando com o som dos b***s de Bunsen sendo ligados. Ignorei. Ou tentei. — Ela tá te olhando desde que entrou na sala — Theo disse, enquanto mexia nos tubos de ensaio. — Eu sei. É o superpoder dela: passivo-agressividade. — Você quer que eu derrube ácido no jaleco dela? Arregalei os olhos. Ele deu um sorrisinho. — Brincadeira. Mais ou menos. — Você é mais sombrio do que parece. — Eu só finjo ser funcional. Por dentro sou caos puro. — Então você e Jace têm mais em comum do que imagina. — Mas eu não ando de moto nem bato em gente por impulso. — Ele não bate mais. Em gente. — Isso foi reconfortante. Rimos de novo. E pela primeira vez desde que entrei no laboratório, senti que talvez aquilo não fosse só mais uma obrigação da faculdade. Talvez fosse o começo de uma coisa boa. ⸻ Na hora do intervalo, saímos juntos para o pátio. O sol aparecia entre as nuvens, tímido, mas ainda assim bem-vindo. Theo tirou os óculos por um segundo e massageou as têmporas. — Você devia fazer isso mais vezes. — O quê? — Ficar ao ar livre. Parar de pensar tanto. — Uau, você me analisou em três aulas e duas conversas? — Eu sou bom em observar. E você vive tensa como se estivesse prestes a desabar e fingindo que tá tudo bem. — Isso foi... direto. — Eu sou assim. Mas, ó — ele me entregou uma barrinha de cereal do bolso — isso ajuda. Açúcar resolve 40% dos problemas emocionais. — E os outros 60%? — A gente ignora até sumirem. Aceitei a barrinha e dei uma mordida. — Obrigada, doutor Phil universitário. — De nada, rainha do controle emocional. Ficamos sentados no banco de madeira por alguns minutos em silêncio. Um silêncio confortável. — Sabe o que eu acho? — ele disse, jogando a cabeça pra trás e fechando os olhos sob o sol fraco. — Que o mundo é uma equação m*l resolvida? — Também. Mas acho que você não sabe o tamanho da sua força. E isso te impede de usá-la. Virei o rosto devagar, encarando o perfil dele. Sério, tranquilo, quase impenetrável. — Por que você tá sendo legal comigo? — Porque eu gosto de gente que é real. E você é. Mesmo quando finge não ser. — E você? É real? — Eu sou só esquisito. E um pouco solitário. Mas real até o osso. Assenti devagar. — Obrigada, Theo. — Só não se assusta se eu te mandar memes existencialistas às três da manhã. — Manda. Eu gosto de rir do vazio da vida. Ele sorriu, e por um segundo, parecia que o mundo desacelerava ali também. Talvez o caos não fosse só Jace. Talvez... eu também precisasse de lugares calmos onde pudesse ser só eu. E Theo estava ali. Presente. Silencioso. E, de alguma forma, necessário.
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