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762 Words
Acordar depois de ter se entregado a alguém que não te escolhe sempre vem com gosto de arrependimento. E o gosto daquela manhã era amargo demais. Levantei devagar, vesti qualquer coisa e segui para a faculdade. O caminho parecia mais longo que o normal, o corpo mais pesado. A cena no banheiro ainda me consumia. O toque. As palavras. O olhar dele no final. Tão quente e tão vazio ao mesmo tempo. Na sala, me sentei ao lado de Cassie, como sempre. Ela olhou pra mim com a testa franzida. — Você parece que foi atropelada por um caminhão. — Talvez tenha sido — respondi, sem humor. Ela não pressionou. Apenas anotou algo no caderno e dividiu o fone de ouvido comigo. Passamos a aula assim: em silêncio, dividindo o mesmo espaço, com as cabeças cheias demais pra falar. ⸻ Na hora do almoço, sentamos na área externa. Cassie puxou dois wraps e uma latinha de refrigerante da mochila. — Come. Nem que seja só pra fingir que é um ser humano funcional. Obedeci. Em silêncio. O sol batia fraco, e mesmo assim eu me sentia exposta. — Eu vi umas coisas hoje cedo — Cassie comentou de repente. — Que tipo de coisas? Ela mordeu o wrap e fez uma careta. — Coisas que você vai ver também. Daqui a pouco. — O quê? — perguntei, sentindo o estômago revirar. — Espera. Não quero ser eu a quebrar o pouco que sobrou do seu humor hoje. ⸻ Depois do almoço, fui pra biblioteca. Precisava de silêncio, de um lugar onde o coração pudesse bater sem fazer tanto barulho. Mas o silêncio não durou. Assim que entrei entre as estantes, o vi. Jace. Sentado sozinho, fones nos ouvidos, digitando no notebook como se o mundo não existisse. Como se eu não existisse. O coração apertou. Uma parte de mim queria marchar até ele e gritar. A outra... só queria ir embora. Fiquei ali por alguns segundos, observando de longe. Mas ele nem levantou o olhar. Saí. ⸻ Foi no corredor dos armários que aconteceu. O chão estava cheio de fitas adesivas, e nas portas de quase todos os armários... fotos. Fotos de Jace e Kayle. Ensaiando. Sorrindo. De mãos dadas em cena. Uma foto específica me fez congelar: ele a segurava pela cintura, testa encostada na dela. Os dois de olhos fechados. Era teatral, eu sabia. Mas a dor era real demais pra diferenciar. Fui passando pelas imagens como se andasse por um cemitério de tudo o que eu negava sentir. E então ouvi a risada. — Que ironia, né? — disse uma voz ao meu lado. Liv. Cruel, perfeita e satisfeita. — Você viu o que todo mundo já sabia — ela continuou. — Que ele nunca foi só seu. E que você foi burra demais pra escutar a única pessoa que tentou te avisar: Kayle. Engoli seco, mas continuei andando. Não ia dar esse gosto a ela. — Vai fingir que não doeu? — Liv provocou, andando atrás de mim. — Que não sente o cheiro da derrota? Tá escrito no seu rosto, ruivinha. Virei o rosto apenas o suficiente pra encará-la com frieza. — Melhor ser burra por amor do que vazia por prazer. Ela riu, debochada, e se afastou. Foi quando senti. A presença atrás de mim. Jace. Passou por mim devagar, sem me olhar. As fotos ao redor refletiam o quanto ele estava presente em todos os lugares... menos comigo. Meu peito queimou, mas eu continuei andando. Uma lágrima caiu, mas ninguém viu. Nem ele. ⸻ No fim da tarde, encontrei Theo sentado nos degraus do bloco de engenharia. Sozinho, com o mesmo sorriso gentil de sempre. — Ei — ele disse, se levantando ao me ver. — Oi — respondi, a voz falha. Ele percebeu. — Vem cá. Me aproximei, e ele me envolveu num abraço apertado, daqueles que não pedem explicação. — Eu vi as fotos — ele sussurrou. Fechei os olhos. — Todo mundo viu. — Eu não queria ver você assim. — E eu não queria ser assim. Ele se afastou só o suficiente pra olhar nos meus olhos. — Você não precisa ser forte agora. Só... seja. Ficamos em silêncio por um tempo. Ele acariciou minha bochecha com a ponta dos dedos. Diferente. Leve. Real. — Theo... — comecei, mas ele não deixou eu terminar. — Eu sei. — sussurrou. E me beijou. Devagar. Cuidadoso. Como se tivesse esperado o tempo todo por aquilo. E pela primeira vez em muito tempo, o caos dentro de mim silenciou. Mesmo que por um instante.
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