Acordar depois de ter se entregado a alguém que não te escolhe sempre vem com gosto de arrependimento. E o gosto daquela manhã era amargo demais.
Levantei devagar, vesti qualquer coisa e segui para a faculdade. O caminho parecia mais longo que o normal, o corpo mais pesado. A cena no banheiro ainda me consumia. O toque. As palavras. O olhar dele no final. Tão quente e tão vazio ao mesmo tempo.
Na sala, me sentei ao lado de Cassie, como sempre. Ela olhou pra mim com a testa franzida.
— Você parece que foi atropelada por um caminhão.
— Talvez tenha sido — respondi, sem humor.
Ela não pressionou. Apenas anotou algo no caderno e dividiu o fone de ouvido comigo. Passamos a aula assim: em silêncio, dividindo o mesmo espaço, com as cabeças cheias demais pra falar.
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Na hora do almoço, sentamos na área externa. Cassie puxou dois wraps e uma latinha de refrigerante da mochila.
— Come. Nem que seja só pra fingir que é um ser humano funcional.
Obedeci. Em silêncio. O sol batia fraco, e mesmo assim eu me sentia exposta.
— Eu vi umas coisas hoje cedo — Cassie comentou de repente.
— Que tipo de coisas?
Ela mordeu o wrap e fez uma careta.
— Coisas que você vai ver também. Daqui a pouco.
— O quê? — perguntei, sentindo o estômago revirar.
— Espera. Não quero ser eu a quebrar o pouco que sobrou do seu humor hoje.
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Depois do almoço, fui pra biblioteca. Precisava de silêncio, de um lugar onde o coração pudesse bater sem fazer tanto barulho.
Mas o silêncio não durou.
Assim que entrei entre as estantes, o vi. Jace. Sentado sozinho, fones nos ouvidos, digitando no notebook como se o mundo não existisse. Como se eu não existisse.
O coração apertou. Uma parte de mim queria marchar até ele e gritar. A outra... só queria ir embora.
Fiquei ali por alguns segundos, observando de longe. Mas ele nem levantou o olhar.
Saí.
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Foi no corredor dos armários que aconteceu.
O chão estava cheio de fitas adesivas, e nas portas de quase todos os armários... fotos.
Fotos de Jace e Kayle.
Ensaiando.
Sorrindo.
De mãos dadas em cena.
Uma foto específica me fez congelar: ele a segurava pela cintura, testa encostada na dela. Os dois de olhos fechados. Era teatral, eu sabia. Mas a dor era real demais pra diferenciar.
Fui passando pelas imagens como se andasse por um cemitério de tudo o que eu negava sentir.
E então ouvi a risada.
— Que ironia, né? — disse uma voz ao meu lado.
Liv.
Cruel, perfeita e satisfeita.
— Você viu o que todo mundo já sabia — ela continuou. — Que ele nunca foi só seu. E que você foi burra demais pra escutar a única pessoa que tentou te avisar: Kayle.
Engoli seco, mas continuei andando. Não ia dar esse gosto a ela.
— Vai fingir que não doeu? — Liv provocou, andando atrás de mim. — Que não sente o cheiro da derrota? Tá escrito no seu rosto, ruivinha.
Virei o rosto apenas o suficiente pra encará-la com frieza.
— Melhor ser burra por amor do que vazia por prazer.
Ela riu, debochada, e se afastou.
Foi quando senti.
A presença atrás de mim.
Jace.
Passou por mim devagar, sem me olhar. As fotos ao redor refletiam o quanto ele estava presente em todos os lugares... menos comigo.
Meu peito queimou, mas eu continuei andando. Uma lágrima caiu, mas ninguém viu. Nem ele.
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No fim da tarde, encontrei Theo sentado nos degraus do bloco de engenharia. Sozinho, com o mesmo sorriso gentil de sempre.
— Ei — ele disse, se levantando ao me ver.
— Oi — respondi, a voz falha.
Ele percebeu.
— Vem cá.
Me aproximei, e ele me envolveu num abraço apertado, daqueles que não pedem explicação.
— Eu vi as fotos — ele sussurrou.
Fechei os olhos.
— Todo mundo viu.
— Eu não queria ver você assim.
— E eu não queria ser assim.
Ele se afastou só o suficiente pra olhar nos meus olhos.
— Você não precisa ser forte agora. Só... seja.
Ficamos em silêncio por um tempo. Ele acariciou minha bochecha com a ponta dos dedos. Diferente. Leve. Real.
— Theo... — comecei, mas ele não deixou eu terminar.
— Eu sei. — sussurrou.
E me beijou.
Devagar. Cuidadoso. Como se tivesse esperado o tempo todo por aquilo.
E pela primeira vez em muito tempo, o caos dentro de mim silenciou. Mesmo que por um instante.