Minha mãe estacionou o carro em frente ao internato. Dei uma olhada pela janela.
Havia uma construção grande de apenas dois andares como primeiro plano, as escadas levavam a portas duplas de vidro. A estrutura era antiga, mas as janelas e portas, assim como a pintura e o prédio de cinco andares que se erguia por trás, eram modernos.
Resmunguei mentalmente. Era tudo o que eu queria: uma escola nova com pessoas novas e estranhas. Que d***a!
- Você quer que eu entre com você? – minha mãe perguntou.
- Não – respondi instantaneamente. Tudo que eu não precisava era uma mãe me ajudando a entrar na escola nova no terceiro ano do Ensino Médio – Sei me virar sozinha.
Olhei para os papéis que minha mãe havia me dado. Ali estava tudo que eu precisava. O número da minha sala de aula, o número do meu armário, o número do meu quarto...
- Espero que você se divirta – ela disse.
- Sem chances – disse, sem nem olhar para ela.
- Você sabe que eu te amo, não é?
Segurei a mala preta aos meus pés pela alça e abri a porta do carro.
- É, eu sei – botei um pé para fora.
- Não vai dizer que me ama de volta? – ela perguntou.
- Não – puxei a mala para cima.
- Vai embora sem nem me dar um beijo e um abraço?
- Sim – eu disse, ainda sem olhar para ela – E declare-se culpada por isso.
- Culpada? – ela perguntou com ar de inocência.
Olhei para ela pela primeira vez e arqueei uma sobrancelha.
- Você me jogou em um internato sem a minha permissão.
- Eu sou sua mãe – ela retrucou – Não preciso da sua permissão para nada, eu que mando em você.
- Que beleza! – disse ironicamente – Deus me concede livre arbítrio e você, uma mera mortal, o tira de mim.
- Falando em Deus... – ela disse, evitando a discussão, e se curvou até abrir o porta-luvas à minha frente. Ela enfiou a mão lá e tirou uma correntinha, estendendo-a para mim – Eu vi que você deixou isso em cima da minha cama.
Peguei a corrente que ela havia me dado alguns anos atrás. Era de ouro e tinha um crucifixo, também de ouro, pendurado nela. Havia deixado em cima da cama dela para mostrar o quanto estava descontente com sua decisão de me jogar em um internato.
- Fiz menção de que ia sair do carro.
- Se eu sofrer um acidente quando estiver voltando para casa e morrer... – ela disse – Você vai ficar com peso na consciência por só ter me culpado nos meus últimos minutos de vida.
Olhei para ela, perplexa. Como ela podia ser assim? Ela não tinha coração? Não se brincava com esse tipo de coisa.
Abri a boca para falar algo, mas voltei a fechá-la. Depois encarei ela de cara f**a.
- Isso é jogo baixo – disse.
- Mas é a verdade – ela rebateu.
Suspirei e saí do carro, batendo a porta forte. Me curvei sobre a janela, com os braços apoiados na porta, e a encarei.
- Tudo bem, mãe – dei um sorriso cínico e forçado – Eu te amo.
- Isso não pareceu verdadeiro – eu sabia que ela só estava tentando me deixar ainda mais irritada.
- É o mais verdadeiro que vai conseguir de mim hoje – desencostei da porta, endireitando minha coluna.
- Só isso? – ela se curvou sobre o banco para poder me olhar pela janela – E o beijo e o abraço?
- Eu te amo, mãe, mas ainda estou chateada com você – levantei a alça da mala de rodinha e depois acrescentei – Se eu fosse você, eu nem ligaria para perguntar como foi o primeiro dia, porque a resposta ainda vai ser "uma bosta".
Virei de costas e comecei a me encaminhar para a escola.
- Aproveite o resto do domingo para fazer alguns amigos – ela gritou do carro – Eu te amo.
Olhei para ela de cara f**a.
- Mãe! – resmunguei e olhei ao redor para ver se alguém tinha escutado. Mas as poucas pessoas que se encontravam do lado de fora estavam distraídas com outras coisas.
- Desculpa – ela riu, provando que havia feito de propósito, e deu partida no carro.
Observei o carro desaparecer de vista e depois me virei de novo para a frente da escola. Nem segundos haviam se passado direito, e eu já sentia falta dela, mas isso com certeza era algo que eu não admitiria quando ela ligasse aquela noite.
Dei uma boa olhada pelo caminho de pedras que levava até as escadas e as portas de entrada com um suspiro. Aquilo já parecia uma longa jornada, e eu nem tinha começado a atravessar o gramado ainda.
Me dirigi até as portas da frente, atravessando-as e entrando no prédio. Havia algumas pessoas por ali também, mas não muitas. Continuei seguindo em frente pelo que parecia o hall de entrada até atravessar as portas de vidro na outra extremidade, que davam para a parte de trás e para os dormitórios.
A luz do sol me atingiu novamente e me vi em um jardim amplo e aberto. O vento era suave, e o clima estava frio. Aquele era um dos poucos dias que não estava caindo pelo menos uma chuvinha fraca para arruinar meus cabelos que, apesar de lisos, odiavam chuva.
Me dirigi até a entrada do prédio em forma de paralelepípedo, ignorando as pessoas ali presentes e rezando para que tivesse um elevador.
Olhei para o papel na minha mão e procurei o número do meu quarto. Trinta e sete. Isso queria dizer que eu ficava no terceiro andar, o que não era muito para subir de escada, se eu não levasse em consideração a mala nas minhas mãos, é claro.
Soltei um suspiro de alívio quando entrei no prédio e vi um elevador. Enquanto esperava por ele, observei o lugar ao redor. Ali no térreo também havia quartos. Muitos deles. Era possível ouvir vozes animadas das portas mais próximas.
O elevador finalmente chegou. Havia um garoto lá dentro que sorriu educadamente ao sair e passar por mim. Pelo menos as pessoas não eram m*l-humoradas.
Entrei no elevador e apertei o número três no painel. Quando cheguei ao terceiro andar, saí à procura do meu quarto. Depois de algumas voltas, finalmente o encontrei. Já estava cansada de carregar aquela mala pesada para todos os lados.
Abri a porta lentamente. Sabia que iria dividir o quarto com alguém e não queria parecer m*l-educada caso essa pessoa estivesse ali dentro.
Assim que botei a cabeça para dentro do quarto, avistei a garota em cima de uma das camas, sentada e pintando as unhas dos pés.
- Com licença.
Ela levantou a cabeça e me lançou um sorriso amigável.
- Oi! – ela parecia entusiasmada ao me ver.
Isso era bom. Pelo menos não teria que passar o semestre dividindo o quarto com uma garota antipática.
Entrei no quarto e passei os olhos ao redor. Ele era espaçoso, com uma janela bem grande na parede oposta, ao lado da cama que ficava à direita. Cada cama possuía uma mesinha ao lado com um abajur. Havia um grande baú aos pés da minha cama, que eu supunha que era meu "guarda-roupa", e uma escrivaninha com um computador. Também havia um mini sofá em frente a uma TV consideravelmente grande no canto direito do quarto. Ao lado do sofá, a porta que provavelmente levava para o banheiro.
- Então você é minha nova colega de quarto – ela disse, tampando o vidro de esmalte. Pareceu uma pergunta, mas sabia que não era – Seja bem-vinda à nossa prisão de luxo.
Dei um pequeno sorriso. Era bom saber que alguém não gostava daquele lugar tanto quanto eu. “Prisão de luxo" parecia o termo perfeito para descrever aquele lugar.
- Obrigada – eu disse.
Me dirigi até a cama vazia ao lado e coloquei minha mala no chão, me sentando no meu novo colchão em seguida. Parecia confortável.
Olhei para a garota na cama ao lado, que colocou o vidrinho de esmalte na mesinha de cabeceira e se sentou de frente para mim.
- Meu nome é Sophie – ela se curvou e estendeu a mão para mim.
- Ágata – apertei a mão dela.
Sophie tinha a estatura mediana e cabelos escuros longos, assim como os meus, porém cacheados. Sua pele era morena, um pouco mais escura que a minha, e seus olhos eram castanho claro. Ela era bonita.
- Nome bonito – ela comentou.
- Obrigada.
Ela olhou para a mala aos pés da minha cama.
- É só isso o que você tem?
Olhei para minha mala e balancei a cabeça.
- Por enquanto, sim.
- Quer ajuda para arrumar suas coisas? – ela se ofereceu.
- Ah, não. Não precisa – dei um sorriso educado – Mas obrigada.
- Tudo bem, então – ela olhou para a janela e se levantou, dando uma olhada no lado de fora – Os novatos estão chegando – ela me olhou – Quer dar uma olhada por aí para conhecer a escola? Eu posso te mostrar.
Olhei para minha mala. Minha intenção era arrumá-la antes de mais nada, mas eu não estava com nenhuma vontade de fazer isso agora. Além disso, um passeio pela escola seria uma boa, já que as aulas começariam no dia seguinte e eu não conhecia nada além do hall de entrada do edifício principal.
- Tudo bem – eu disse – Seria maravilhoso.
- Então vamos – ela seguiu em direção à porta.
Fui logo atrás dela.
...
Depois que Sophie me mostrou toda a escola, inclusive a sala de aula onde eu estudaria, sentamos em um banco no jardim entre o prédio principal e os dormitórios para "observar os novatos bonitos". Eu não estava nem um pouco a fim de fazer isso, mas ela tinha sido gentil comigo desde o começo e não achei que seria gentil da minha parte.
- É uma pena que não somos da mesma série – ela disse.
- É... – foi tudo que eu disse.
- Você não é muito de falar, não é? – ela me olhou.
- Não nos primeiros dias – sorri. Pensei em acrescentar "e você não é muito de ficar calada, não é?", mas deixei para lá. Talvez soasse m*l-educado, embora não fosse essa a intenção.
- Olha aquele ali – ela apontou discretamente com a cabeça para um menino indo em direção ao dormitório, com uma mala na mão e uma mochila nas costas – É o mais bonito que vi até agora.
E ele realmente era bonito. Alto, corpo escultural, pele clara, cabelos escuros e olhos verdes.
- Retiro o que eu disse – ela comentou – Aquele ali é o mais bonito que vi até agora.
Olhei na direção em que ela apontava e fitei o garoto de quem ela falava. Ele era o garoto mais bonito que eu já tinha visto em toda a minha vida. Seus cabelos eram castanhos claros e sua pele era morena. Os olhos cor de mel em contraste com os cílios espessos davam a ele um olhar sensual. Sua boca era carnuda, e os traços do rosto bem delineados.
- O que eu não faria com um cara desses... – Sophie comentou, e eu acabei deixando um sorriso escapar.
Continuei o observando enquanto ele entrava no prédio e desaparecia.
- Você viu o corpo dele? – ela me perguntou, entusiasmada – Que pedaço de mau caminho.
Sim, eu tinha visto o corpo dele. Difícil não notar todos aqueles músculos por baixo da camisa branca de malha.
- Vai me dizer que ele não é um deus grego?
Eu ri.
- Sim, ele é um deus grego – acho que essa deveria ter sido a frase mais longa que tinha dito desde que havia chegado.
- Eu preciso descobrir o nome dele – ela disse, rindo.
E então, de repente, um trovão soou ao longe e o céu ficou escuro. O pouco da luz que atravessava as nuvens sumiu, escondida pelas nuvens negras que se acumularam ali, deixando o dia escuro como se fosse noite.
Fitei o céu sem entender o que tinha acontecido. Não que eu soubesse muito sobre clima, principalmente naquele lugar totalmente desconhecido para mim, mas eu não achava que o tempo pudesse mudar assim tão rápido e tão de repente. Eu nunca tinha visto algo assim antes, pelo menos
- O que?! – Sophie pareceu indignada e surpresa – Como assim? – ela continuou fitando o céu por um tempo, como se a resposta fosse cair de lá.
As pessoas ao redor olhavam para cima também. Total descrença e chateação estampada no rosto delas. Todos olhavam para cima se fazendo a mesma pergunta: o que teria desencadeado aquilo?
- Eu não posso acreditar nisso – Sophie continuou resmungando – O dia estava tão perfeito.
De onde eu vinha, dia perfeito significava céu limpo com sol radiante e brisa fresca. Ali o céu estava cheio de nuvens escondendo a maior parte da luz do sol, e a brisa estava gelada. Não parecia perfeito para mim.
- Isso não é possível – os ombros dela abaixaram em sinal de desanimo – A previsão para hoje eram poucas nuvens e nada de chuva. Agora parece que uma tempestade vai cair sobre nossas cabeças a qualquer momento.
- A previsão nem sempre acerta, não é? – eu disse.
Ela resmungou e se levantou.
- Vamos entrar, não quero estar aqui quando começar a chover – ela começou a se encaminhar para os dormitórios e eu segui atrás dela.
Já estávamos quase na entrada quando algo aconteceu.
Uma sensação estranha que eu não conseguia descrever tomou conta mim. Eu não sabia exatamente o que era, só sabia que era r**m, como uma premonição de que algo realmente r**m iria acontecer. Meu estômago afundou em uma descarga de ansiedade inexplicável, e de repente um sentimento sombrio se apossou de mim.
Então eu senti uma necessidade imensa de olhar para trás, como se tivesse algo lá que precisava ser visto. Como se esse algo, fosse o que fosse, exercesse uma atração sobre mim impossível de ignorar.
Olhei para trás no mesmo instante que Sophie, quase como se estivesse sentindo a mesma necessidade que eu. As pessoas próximas a mim também olharam para trás. Só pude pensar que isso não era normal quando três figuras atravessarem a porta e roubarem toda a minha atenção.
Eram três garotos vestidos de preto, cada um com sua mala na mão. O garoto da frente era alto, assim como os outros dois, e usava um medalhão prateado no pescoço. Tinha cabelos loiros que cobriam a testa e as sobrancelhas, os olhos verdes e um sorriso travesso no rosto.
O garoto à sua direita era um pouco mais baixo que este, cabelos escuros e curtos, olhos também escuros e expressão séria. Não deu nenhum sorriso e não olhou para ninguém enquanto atravessava o jardim em direção aos dormitórios. Sua postura corporal tão rígida quanto a facial.
Estava tão absorta enquanto os observava que nem percebi que eu estava no meio do caminho. Então Sophie pegou o meu braço e me puxou para o lado, fazendo eu sair do meio para que eles pudessem passar.
Ainda sem tirar os olhos deles, notei o terceiro garoto, à esquerda do garoto loiro. Ele era o mais alto de todos e também não esboçava nenhum sinal de sorriso. Tinha a pele clara e os traços fortes e bem desenhados. Seus cabelos pretos e com franja escondiam sua testa e chegavam aos seus olhos. Olhos incrivelmente pretos.
Fiquei fitando aqueles olhos, impressionada, enquanto ele passava por mim. Pude notar seu olhar se desviando em minha direção por um segundo. Mas tão rápido quanto um relâmpago, ele voltou a olhar para frente.
Um arrepio percorreu todo o meu corpo. Eu podia jurar que, por apenas um instante, eu vi algo naqueles olhos pretos que me perturbou. Era quase como se tivesse algo de errado dentro deles.
Algo desumano.