CAPÍTULO 6
Diana narrando
Eu acho que nunca aproveitei um baile como eu tava aproveitando hoje. A luz piscando no ritmo do funk, o chão vibrando, a fumaça subindo, a batida batendo igual coração de gente apaixonada. Pela primeira vez na vida eu tava curtindo do meu jeito, com a liberdade que eu sempre quis sentir — e com a melhor companhia possível: a Manu.
Até agora eu não sei como convenci essa mulher a subir o morro comigo. Ela sempre foi mais tranquila, mais caseira, daquelas que pensa três vezes antes de aceitar um convite desses. Mas no fim… ela topou. E se ela topou, eu fiz uma promessa silenciosa pra mim mesma:
essa noite vai ser perfeita pra ela. Nem que eu tenha que inventar perfeição no grito.
A gente tava dançando desde que chegou, mas eu sentia que ainda faltava algo pra completar o clima. Então puxei a Manu pela mão e fomos até o bar no canto, porque festa sem bebida é só reunião com música alta.
— Escolhe aí, amiga — falei, empurrando ela de leve com o ombro.
Manu olhou o cardápio improvisado, olhou os copos, e no fim pediu um copão de whisky com gelo de coco e energético. Eu fiz uma careta, rindo.
— Minha filha, só isso aí derruba gente grande.
Ela riu também, daquele jeito sem graça que só a Manu consegue.
Eu fui no meu clássico: gin de morango com pedaços da fruta. Gelado, docinho, a minha cara.
Voltamos pro mesmo pedaço onde a gente tava dançando antes, porque ali era o único espaço não tão apertado. Levantei o copo, rebolando animada, sentindo o clima, o vento, o som… parecia que a vida tinha dado uma trégua pelo menos por aquela noite.
Foi aí que eu virei pro lado e dei de cara com ele.
Frajola.
O filho da mãe tava parado, encarando fixamente a Manu como se tivesse visto uma visão do céu descendo na quadra.
— Car.alho… — ele murmurou tão baixo que eu quase não ouvi. — Tu é linda pra por.ra.
Manu ficou toda sem jeito, baixando o olhar, a boca tremendo num sorriso tímido. Eu tive que segurar a onda, porque eu sabia como esses vapores são quando veem beleza nova: não pensam duas vezes antes de avançar.
— Relaxa, Frajola, tá tudo certo — falei, só pra ele não interpretar errado a presença da Manu.
Ele olhou pra mim rapidinho, depois voltou a olhar ela de cima a baixo, descarado.
— Tá suave, Di… só que pô… tu não avisou que ia trazer isso.
Ele falou “isso” do jeito que homem s*******o fala, e eu dei um tapa no braço dele.
— Ela tem nome: Manuela.
Já puxei a Manu mais pra perto de mim porque conheço bem esse tipo de olhar. Eles falam bonito, mas pensam rápido demais com a parte errada do corpo.
— Manu, esse aqui é o Frajola — apresentei, com cuidado.
Ela sorriu meio insegura e abriu a boca pra falar alguma coisa… só que não deu tempo.
Porque o i****a do Frajola simplesmente meteu o corpo pra frente e beijou ela. Do nada. Sem permissão. Sem aviso. Só foi.
E o pior?
A Manu correspondeu.
Eu fiquei em choque. Literalmente parada com a mão no peito.
— MEU DEUS, MANU! — falei, tampando a boca.
Eles se separaram alguns segundos depois, e eu vi ele sussurrando alguma coisa no ouvido dela. Seja lá o que foi, deixou a coitada vermelha igual tomate.
Eu precisei mandar um toque, claro.
— Ô, Frajola, pega leve, c****e!
Ele levantou as mãos, todo debochado.
— Que isso, Di… foi ela quem retribuiu. E eu não ia perder a chance depois de uma gata dessa cair no meu colo.
Eu não aguentei e ri, porque mesmo sendo abusado, ele não tava mentindo.
Achei que ele ia meter o pé dali depois de conseguir o beijo que queria — como todos eles fazem. Mas não. Esse peste resolveu ficar. E pior: colou do lado da Manu como se já fosse casal.
E eu fui obrigada a ficar ali segurando vela.
Eu não tava reclamando, pra ser sincera. Ver a Manu se soltando, rindo, dançando, beijando… era exatamente o que eu queria. Ela tava linda, leve, vivendo. E se ela tava bem, eu tava melhor ainda.
Foi quando eu vi o Boy vindo na minha direção. Alto, forte, o braço direito do meu irmão e… um verdadeiro gostoso. Pena que, por causa do Deco, nenhum desses caras tem coragem de chegar perto de mim.
Uma pena enorme.
Porque se dependesse só de mim… eu sentava nele fácil.
— Teu irmão tá te chamando lá em cima — ele avisou, apontando pro camarote.
Eu levantei a cabeça e lá estava o Deco. Encostado na grade, com aquela postura marrenta dele de dono de Morro, me chamando com a mão como se eu fosse uma criança que fez arte.
Eu respirei fundo.
— Já vou lá. Valeu, Boy.- falei perto do ouvido dele por conta do som.
Ele balançou a cabeça e desapareceu no meio da multidão.
Olhei pra Manu.
Estava agarrada de novo, beijando o Frajola com vontade.
Me aproximei, puxei de leve o braço dela.
— Eu já volto, tá? — falei, e ela só balançou a cabeça, sem desgrudar do maldito.— tô falando sério Manuela, fica aqui.
Então virei pro Frajola e apontei o dedo no peito dele.
— Não sai daqui. E respeita ela. Se não, depois tu já sabe.
Ele fez sinal de ok, todo sorridente, achando que eu tava brincando.
Saí dali, andando em direção ao camarote, já sabendo que ia levar um esculacho dos brabos. O Deco detesta que traga gente de fora pro nosso baile, ainda mais sem avisar e principalmente sem autorização.
Subi as escadas sentindo o peso do olhar dele queimando minhas costas.
E antes mesmo de eu chegar no último degrau, ele já estava lá, de braços cruzados, mandíbula travada, aquele ar de dono do mundo.
Eu nem tinha aberto a boca ainda, mas já sabia:
tava ferrada, vou ouvir um bolão.
— Tu perdeu a noção? — ele perguntou, voz baixa, calma demais pra ser normal. O pior tom do Deco é esse: o calmo.
Eu cerrei os olhos.
— Boa noite pra você também, meu querido irmão.
— Diana… — ele me chamou daquele jeito que só usa quando tá por um fio.
Eu levantei as mãos, irônica.
— O que foi agora? Eu vim me divertir, não tô fazendo nada demais.
Ele respirou fundo, olhando lá pra baixo, exatamente pro ponto onde a Manu tava com o Frajola. Eu sabia que ele tinha visto tudo. O morro inteiro pode estar desmoronando e o Deco continua vendo tudo.
— Quem é a ruivinha? — ele perguntou sem tirar os olhos da multidão.
— A Manu — respondi, seca. — Minha amiga.
— E tu trouxe pra cá por quê? Sem avisar. Sem ninguém na cola. Sem eu saber.
Eu ri fraco, cruzando os braços.
— Deco, faz favor, né? Ela tá comigo, não vamos fazer nada de errado, só queremos curtir o baile e à noite.
Ele virou o rosto pra mim devagar, como se eu tivesse acabado de falar uma heresia. O maxilar dele pulou duas vezes.
— Aqui tem bandido, Diana. O baile é pros moradores. O morro inteiro tá aqui. Tu tá ligada que nesse momento pode ter polícia escondida em matagal, alemão tentando achar só um pé para derrubar nós.E tu traz uma desconhecida e acha que é brincadeira?
Eu senti a raiva subir.
— Ela não é desconhecida pra mim!
— Mas é pra todo o resto — ele rebateu. — E principalmente pra quem tá lá embaixo olhando pra ela como se fosse… sei lá o quê.
Eu encostei as mãos no quadril, bufando.
— Tá falando do Frajola? Ah, Deco, pelo amor de Deus. Eles deram uns beijos, pronto. Ele não vai fazer nada com ela, eu já falei com ele.
— O Frajola não pensa, Diana — ele rebateu. — Ele age. E se ele fizer uma merda com a tua amiga, A responsa depois vai no teus p****s.
— Tu tá exagerando — eu falei, mas sem convicção.
Ele deu um passo na minha direção.
— Eu tô tentando te proteger. Como sempre.
E pronto. Era sempre isso. Sempre essa carta que ele jogava quando queria ganhar discussão.
— Deco, eu não sou mais criança — eu falei mais baixa, mas firme. — a Manuela é a segunda pessoa que eu mais confio nessa vida depois de você.
Ele me encarou por uns segundos longos demais.
— Eu sei — ele respondeu, e a voz dele baixou de um jeito tão pesado que eu quase me senti culpada. — Mas você tá ligada que as paradas no morro é completamente diferente do lugar que ela vem.
Eu desviei o olhar quando senti minha garganta apertar. Odeio quando ele faz isso. Quando mistura verdade com medo e obriga a gente a sentir as duas coisas ao mesmo tempo.
— E outra — ele completou. — Quem disse que tu podia trazer tua amiga aqui?
Eu girei o corpo, indignada.
— Ué… eu preciso pedir permissão pra tudo agora?
— Quando envolve segurança, sim.
Dessa vez fui eu que dei um passo pra frente.
— Deco, Eu sei muito bem onde piso. E sei cuidar de mim.
— Não quando tu tá distraída dançando até o chão com copo na mão — ele rebateu.
Eu arregalei os olhos.
— Aí é s*******m, né?
Ele passou a mão no rosto, respirou fundo e, por alguns segundos, não disse nada. Só ficou me olhando com aquela expressão que mistura preocupação, cansaço e autoridade. O Deco nunca descansa. Nem por dentro, nem por fora. E não importa a situação ele tá sempre tentando cuidar de mim.
Continua....