Fazia uma semana que Gabriel estava se recuperando.
Mesmo com os pontos, ele insistia em levantar, caminhar e organizar as coisas da “firma” dele — como ele mesmo dizia.
Mas eu via nos olhos dele: ainda doía.
E mesmo assim, ele não recuava.
— Quem manda não pode mostrar fraqueza. — ele me disse uma noite, deitado no sofá, com uma bolsa de gelo no ombro.
— Mas eu tô aqui, Gabriel. Você pode baixar a guarda comigo.
Ele olhou fundo nos meus olhos. Me puxou devagar, me sentou no colo dele e segurou meu rosto.
— É isso que me assusta. Com você, eu esqueço que preciso ser forte.
— Então esquece. Só por uma noite. — sussurrei.
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Naquela noite, fiz um jantar simples: arroz, feijão, carne frita e um suco de laranja.
Ele comeu calado. Mas o jeito que me olhava… como se cada garfada fosse um voto silencioso de paz.
— Você cozinha bem. — ele disse, sorrindo de lado.
— Minha mãe me ensinou. Quando ainda dava tempo.
— Ela sabe que você tá aqui?
— Não. Ela pensa que eu tô na casa de uma amiga.
Ele franziu a testa.
— Isso pode dar merda.
— Eu vou contar. Só tô esperando o momento certo.
— Você não me esconde de ninguém. Eu não sou segredo.
— Você é meu segredo mais perigoso. — respondi.
Ele sorriu. E nesse sorriso tinha algo novo. Algo que me prendeu por dentro.
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Depois do jantar, ele me chamou pra subir. O quarto dele era escuro, com uma luz azul fraca iluminando uma parede cheia de armas e relógios.
Mas o que me chamou atenção foi a cama.
Grande. Bem arrumada.
E cheia de espaço pra mim.
— Agora você mora aqui. — ele disse.
— Você decidiu isso por mim?
— Não. Eu tô só colocando o que você já aceitou em palavras.
— E se eu quiser ir embora amanhã?
— Eu deixo. Mas vou atrás.
— Isso é obsessão.
— Não. Isso é amor do meu jeito.
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Deitei na cama. Ele deitou do lado.
Ficamos em silêncio por alguns minutos. Até que ele virou o rosto pra mim.
— Eu quero te mostrar algo.
— O quê?
Ele se levantou, foi até uma caixa no canto do quarto e voltou com um colar. Fino, de prata, com um pingente de fuzil pequeno e brilhante.
— O que é isso?
— Um presente.
— Isso é uma arma.
— É o símbolo da minha vida. E agora… você é parte dela.
Fiquei em silêncio. Ele colocou o colar em mim, com cuidado.
O frio do metal bateu na minha pele, me fazendo arrepiar.
— Agora todo mundo vai saber que você é minha rainha. — ele disse. — E rainha de morro tem que ser respeitada.
— E se eu não quiser esse trono?
Ele deu um sorriso torto.
— Então eu destruo o morro e construo outro só pra você.
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Na manhã seguinte, a realidade bateu.
Enquanto ele tomava banho, meu celular vibrou.
> Mãe:
“Cadê você? Tô te procurando há 3 dias. Me responde, pelo amor de Deus.”
Senti o coração apertar. Era fácil esquecer o mundo ali com Gabriel. Difícil era encarar as consequências.
Respondi rápido:
> “Tô bem. Depois te explico. Te amo.”
Guardei o celular antes que ele visse. Mas já era tarde.
— Quem era? — ele perguntou, surgindo na porta só de toalha, molhado, com aquele corpo que fazia até minha alma tremer.
— Minha mãe.
— Você tem que contar logo.
— Eu sei. Só que ela vai surtar, Gabriel. Você sabe o que as pessoas pensam de você.
Ele se aproximou devagar.
— Eu não quero ser o vilão da sua história. Mas se for pra ser… que seja com você do meu lado.
— Você não é vilão.
— Sou, sim. Mas pra você, quero ser o capítulo mais bonito.
E me beijou.
Devagar. Intenso. Como se selasse uma promessa.
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Horas depois, estávamos no alto da laje. Ele encostado no parapeito, olhando o morro como quem domina tudo.
Eu sentada num banco, vendo ele de perfil.
— Você tem medo de morrer? — perguntei de repente.
Ele virou o rosto, sério.
— Já tive. Hoje, tenho medo de te perder.
— Eu tenho medo de te ver caindo. Eu não quero enterrar ninguém.
— Então ora por mim. — ele disse, e abaixou o olhar. — Mesmo que Deus não me escute mais.
— Ele escuta. Eu vou fazer Ele escutar.
Ficamos em silêncio.
O vento batia forte.
O céu estava limpo.
Mas no morro, sempre havia nuvem carregada no horizonte.
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De repente, o telefone dele tocou.
Ele atendeu, ouviu e desligou.
Virou pra mim, sério.
— Desce agora. Fica dentro de casa.
— O que foi?
— Chegaram caras armados no beco da Laje Quente. Estão perguntando por mim.
— Você vai?
— Eu tenho que ir.
— Não vai. Você ainda tá se recuperando!
— Eu não posso fugir. Se eu fujo uma vez… perco tudo.
Ele pegou a pistola de cima da mesa.
— Gabriel, por favor…
— Se eu não voltar em meia hora, você liga pro Nando. Ele te tira daqui.
— Não faz isso.
Ele me abraçou. Forte. Quente. Demorado.
— Você é a única coisa que me faz querer sair vivo disso tudo.
E saiu.
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E eu fiquei ali.
Sozinha.
Com o cheiro dele no travesseiro.
Com o coração dele nas mãos.
E com o medo me consumindo por dentro.
Porque agora eu não era mais só a garota comum.
Agora eu era a rainha do trono dele.
E nesse mundo… rainhas também sangram.