Jason
A primeira coisa que vi quando abri os olhos foi a expressão preocupada de Emily acima de mim.
— Bom dia — eu disse, bocejando as palavras. — Que horas são? Perdemos o café da manhã?
Sentando-me na cama improvisada que usei quase todos os dias nos últimos sete anos, esfreguei os olhos e tentei acordar.
— Jason. Querido. — Ouvi a dor de Emily com aquelas simples palavras e fiquei alerta imediatamente.
Então meu olhar pairou em Dylan, que estava sentado na beirada da cama dele, com a cabeça nas mãos. Olhei para cima e vi seu pai, Logan Taylor ― um bombeiro, um homem que eu respeitava mais do que o meu velho ―, parado na porta. Seus olhos estavam duros como aço.
— O que está acontecendo? — perguntei a ninguém em particular quando algo feio começou a crescer dentro de mim.
Emily, a mulher que eu amava provavelmente mais do que minha própria mãe, sentou ao meu lado e segurou minha mão com a mão delicada dela. Ela tinha marcas de queimadura naquele braço, quase até o ombro, mas elas nunca me incomodaram como surpreendentemente incomodavam muitas pessoas, jovens e velhos.
— Jason, não sei como falar isso.
Outra explosão de silêncio.
— Alguém pode falar alguma coisa, por favor? Dylan? O que está havendo, cara? — Nada ainda. — Ok, vocês estão começando a me assustar.
— Logan — Emily murmurou ao meu lado, seus olhos desesperadamente focados no marido.
O pai de Dylan balançou a cabeça, baixou os braços e entrou no quarto para se sentar ao lado de Dylan, à minha frente.
Quando meu melhor amigo ergueu a cabeça, vi seus olhos vermelhos. Meu olhar foi para os firmes do seu pai. Eram mais fáceis de olhar. A raiva era sempre mais fácil de lidar do que a tristeza; tinha aprendido isso com minha família.
— Estou pronto — eu disse, mantendo os olhos em Logan. — Por favor, me conte o que aconteceu.
Eu não sabia, mas, na verdade, não estava pronto para as palavras que ouviria. Nem um pouco pronto.
— Filho — ele começou, porque era o que eu era para ele. — Você consegue lidar com isso.
Não foi uma pergunta, mas assenti mesmo assim.
— Sua mãe teve uma overdose com as pílulas para dormir ontem à noite. Ela se foi.
Pisquei uma vez.
Assenti.
Com a voz grossa e rouca, perguntei:
— Quem a encontrou?
— Aparentemente, seu pai voltou de viagem esta manhã. Chamou uma ambulância, mas Lorelai já tinha falecido.
— Entendi. Cadê meu pai?
— No hospital. Conversei com ele há alguns minutos.
Perdido, assenti de novo. O que mais eu poderia fazer? O que mais eu deveria fazer?
— Obrigado — falei, apertando a mão de Emily. — Obrigado por serem vocês a me contarem.
Cada pessoa naquele quarto tinha sido mais família para mim do que a minha de sangue. Eu apreciava o fato de conseguir enxergar a preocupação em seus olhos, a preocupação deles comigo. Nunca vi nada igual nos olhos da minha mãe. O álcool significava mais para ela do que o próprio filho.
Me levantei lentamente.
— É melhor eu voltar… para casa, acho.
Mas eu nunca tivera uma casa, não é? Aquela era a minha casa. A casa do outro lado da rua? Nem tanto.
Dylan e Logan se levantaram comigo, mas olhei para baixo, para a sra. Taylor. Seus olhos estavam cheios de lágrimas. Eles tinham o mesmo tom verdes da sua filha, simplesmente tão impressionante quanto os de Olive. Era calmante olhar para eles.
Me inclinei para baixo e, surpreendendo a mim mesmo, dei um beijo em sua bochecha.
— Por favor, não chore, Emily. Está tudo bem. Vou ficar bem.
Pareceu mais uma pergunta aos meus ouvidos.
Ela se levantou devagar e secou uma lágrima, minha lágrima. Eu nem tinha percebido que estava chorando. Sua mão quente segurou minha bochecha e ela encarou meus olhos.
— Claro que ficará bem, Jason. Você tem a gente.
Assenti.
Inesperadamente, me vi nos braços de Dylan em seguida.
— Sinto muito, cara — ele disse, me abraçando.
Senti a mão de Emily nas minhas costas, um carinho tranquilizador. Logan estava em pé ao nosso lado, observando sua família.
Eu era da família.
Tinha merecido meu lugar entre eles.
— Tem certeza de que não quer ficar e terminar a escola com Dylan? Posso falar com seu pai de novo — ofereceu Logan.
A família Taylor estava do lado de fora em seu gramado. Até a pequena Olive tinha saído para se despedir, com os olhos cheios de lágrimas. Sorri para ela. Pude ver o brilho em seus olhos, brilho triste talvez, mas brilho mesmo assim. Ela era tão cheia de vida e tinha os olhos verdes mais lindos e cativantes. Tão ricos e vivos. Do tipo que você olhava e se permitia alegremente se afogar neles. Eu sabia que algum i****a estava destinado a partir seu coração em breve, mas não estaria lá para protegê-la junto com seu irmão. Não estaria com as pessoas que considerava minha família.
Em vez disso, estaria em Los Angeles, morando em uma casa desconhecida com um estranho que eu chamava de pai, mas que nunca tivera chance de conhecer. Por um segundo, pensei se ele se culpava pela morte dela. Certamente, ele não estivera lá quando sua presença poderia ter feito diferença. Talvez, o final não tivesse mudado; talvez, alguns anos depois, ainda acabaríamos na mesma situação, mas nunca saberíamos. Era tarde demais para tudo.
Quanto ao que eu pensava… Eu culpava a vida, e ele. Foi ele que escolheu nos abandonar quando poderia ter advogado em São Francisco com a mesma facilidade. Foi ele que escolheu ignorar a saúde mental da minha mãe rapidamente se deteriorando, ou depressão, do que quer que você queira chamar. E, então, foi ele que me ignorou quando eu disse que sua esposa estava se tornando alcoólatra.
No fim, as escolhas que eles tinham feito estavam mudando a minha vida.
— Ele não vai mudar de ideia. Acredite em mim, eu tentei — falei finalmente.
Dei de ombros. Tudo havia mudado, exceto a decisão do meu pai: iríamos embora. Ou, mais precisamente, ele estava me obrigando a abandonar tudo.
Chutando a grama debaixo do meu pé, parei diante de Emily, o ser humano mais gentil e atencioso do mundo. Uma mãe que nunca poderia ser verdadeiramente minha.
— Não sei o que dizer — admiti, as palavras queimando em meu peito conforme meus olhos continuavam a olhar para meus tênis.
— Jason?
Mãos quentes e delicadas seguraram meu rosto e olharam em meus olhos.
— Você se lembra do que eu te disse quando nos conhecemos? — Ela sorriu, seus olhos brilhando assim como os de sua filha. — Você é sempre bem-vindo aqui. Isso nunca vai mudar. Los Angeles não é tão longe; espero que você volte quando quiser ou precisar. Está ouvindo o que estou dizendo?
— Estou. — Assenti. — Não sei como te agradecer por tudo que fez por mim, por tudo que está fazendo por mim.
— Não preciso que agradeça, Jason. Só me garanta que vai voltar para nós. — Ela hesitou, apenas por meio segundo, depois me puxou e beijou minhas bochechas. — Me garanta que vai se cuidar. — Um último olhar em meus olhos, e ela me soltou.
Queria que não tivesse me soltado.
— Filho — Logan começou ao me dar um abraço rápido e inesperado. — Você ouviu o que Emily disse, esta é sua casa também. E você sempre pode voltar para sua casa. Não se esqueça disso. Vamos ficar com saudade.
Parecia que eu não conseguia fazer nada além de assentir naquele dia.
Olhei para Olive e, apesar da minha situação, meus lábios se curvaram para cima.
— O gato comeu sua língua também, hein?
Ela apenas me encarou com aqueles olhos bem tristes. Olive Taylor sempre tinha algo a dizer. Sempre.
— Não tem nada a dizer, pequena? — perguntei, rindo, o som totalmente errado e rouco.
— Sinto muito mesmo sobre sua mãe, mas espero que seja feliz em LA.
O tom frio e o que eu estava vendo em seus olhos não combinavam, mas, antes que eu pudesse dizer alguma coisa, Dylan se levantou dos degraus em que estava sentado e Olive abraçou a cintura do seu pai, me bloqueando.
Mesmo assim, estiquei o braço e gentilmente encostei em seu cabelo macio, puxando-o delicadamente antes de soltar pela última vez.
— Também espero. E obrigado, pequena, nunca vou te esquecer.
Uma lágrima escorreu do seu olho e, antes de saber o que estava fazendo, estiquei o braço para pegá-la com a ponta do dedo.
Ela fechou os olhos e abraçou mais forte o pai quando encostei nela, mas não disse nada.
Olhei para a lágrima no meu dedo por um bom tempo e senti meu coração apertar.
— Cara — Dylan disse, me salvando dos pensamentos confusos.
Soltei uma respiração profunda e baixei o dedo.
— Isso é um saco — completou.
Dei risada.
— Nem me fale.
— Quero que volte na primeira chance que tiver, e mantenha contato.
Bati continência, fazendo-o franzir a boca.
Acertando meu queixo com os nós dos dedos, ele resmungou.
— Ah, cara. Não posso acreditar que vou sentir falta de ver sua cara de bosta todos os dias.
— Dylan! — Emily o repreendeu.
— Desculpe, mãe. — Esfregando a nuca, Dylan olhou para mim, tímido. — Vamos conversando?
— Vamos conversando — prometi.
— Jason — meu pai chamou do carro que esperava do outro lado da rua.
— É melhor eu ir — eu disse, recuando alguns passos.
Dando um abraço rápido em Dylan e um tapa em suas costas, acrescentei:
— Cuide da sua família, cara.
— E você se cuide também.
Com o peito pesado, olhei para todos eles uma última vez e me afastei. Não fui forte o suficiente para ir embora sem olhar para trás. Enquanto atravessei a rua, olhei para trás três vezes.
Eu era uma má pessoa por estar feliz em vê-los tristes? Feliz porque eu era amado? Amado e bem-vindo como nunca fui? Como eles se comportavam como uma família estava marcado na minha mente como uma lembrança feliz, e então entrei no carro e desapareci da vida deles.