Criada por lobos

Era a lua mais fria de todas as luas que eu já havia presenciado, assim como era a primeira vez que eu ouvia um choro de criança. Não sei se fui o único que ouviu, ou o único que se fez presente. Não estava muito longe, eu tinha certeza, mas aquela área não era uma das terras de meu pai. O lago morto era a divisa da nossa terra, tão antigo quanto todos nós. Dizem que esse lago se esconde ao aparecer do sol, deve ser por isso que se torna um lugar trapaceiro para nós lobos. Cruzando alguns galhos repletos de neve, posso sentir mais fortemente o cheiro de sangue da criança que chora, não era exatamente seu sangue, mas cobria todo seu corpo. Ignorando o frio sobre meus pelos e a gelidão sobre minhas patas eu cruzo os galhos até finalmente deslizar caindo sobre a neve. Estava lá, gritava e batia seus braços em meio a um grande rastro de sangue. Farejando o lugar, eu apenas me movimentei quando tive a certeza de que o lugar estava seguro. Correndo sobre o lago morto eu farejo a criança que até então não sabia que era uma menina. Examinando seu corpo nua e sujo de uma gosma nojenta eu observo seus olhos negros e seus cabelos ralos, até que a palma de sua mão aperta meu nariz com tanta forma que me causa um espirro. Ao me recompor notei que sobre a neve havia patas, e eram muitas para apenas um lobo. Soltando o ar de meus pulmões e reparando enquanto ele se fundia a neblina que vinha a frente, eu não paro para pensar nas consequências e agarro em uma das pernas da criança a levando junto comigo pela floresta. Talvez estivesse fazendo errado, mas não poderia deixar esse bebê solitário sobre o gelo, não precisa ser muito inteligente para saber que logo morreria, e se depender de mim isso não vai acontecer, nem agora nem enquanto eu estiver vivo.