Manuelly Novais
Levei minha xícara de café até os lábios e tomei um pequeno gole saboreando. Para o meu dia começar bem eu necessito do meu cafézinho, já o Hugo prefere chá ou suco. Falando nele, o garoto mimado está com a cara enfiada no tablet trabalhando, coisa que ele nunca faz na mesa do café da manhã.
Sempre conversamos sobre coisas aleatórias nesse horário, aproveitamos que é o único momento do dia que ficamos juntos, já que ele trabalha até tarde. Mas hoje ele resolveu ficar calado achando que seu silêncio vai me torturar.
Hugo é tão bobo, como se o simples silêncio dele me torturasse.
— O que foi meu amor, o gato comeu sua língua? — A ironia em minha voz era evidente, ele levantou os olhos castanhos e me avaliou antes de voltar a encarar o aparelho. — Certo, então vai ser assim? — perguntei e ele não respondeu. — Fique sabendo que hoje não tem nadinha pra você.
Hugo fez pouco caso da minha ameaça, então decidi ser mais clara e incisiva.
— Nem hoje, nem amanhã, nem mesmo semana que vem. Quem sabe depois do casamento, não é? — Sorri ao ver ele me analisar procurando verdade em minhas palavras, assim que as encontrou ele pareceu se render.
— Sobre o que quer conversar? — perguntou entre um suspiro. — Já sei, sobre o seu primeiro dia de trabalho em uma escola falida e sem recursos para se reerguer, vamos lá, como é ir trabalhar lá mesmo sabendo que a ideia é ridícula? — O sarcasmo fez meu estômago revirar, ele conseguia ser rude e muito i****a quando queria.
Isso me irrita ao máximo. Eu tento aliviar as coisas, mas quando Hugo resolve ser mimado e inconsequente, ah Deus, como isso me irrita. Se pessoas como ele dessem um pouco de credito a organizações e escolas como essa em que vou trabalhar, com toda certeza não estariam a beira da falência.
— Meu amor... — Respirei profundamente procurando as palavras certas. — Eu sei que toda essa sua insistência é para o meu próprio bem, mas por que você não para de pensar no melhor pra mim e começa a pensar no melhor para aquela escola, hein? Eles precisam de uma professora e ninguém quer se candidatar, se você não quer ser um dos sócios que vai ajudar a reerguer o colégio por que não deixa ao menos eu fazer a minha parte como educadora e dar o suporte que eles precisam? Eu me formei para educar, Hugo, e é isso que eu vou fazer, seja na falência ou não. — Deixei que um sorriso de desgosto brotasse em meus lábios. — É uma pena que você não consiga entender isso.
Deixei meu café da manhã de lado e peguei minha bolsa colocando no ombro, beijei o rosto do Hugo e lhe dei as costas saindo da cozinha, ele parecia absorver minhas palavras.
— Meu amor! — Hugo disse alto e eu ignorei seu chamado passando pela sala e calçando meu salto confortável rosa que combinava com meu blazer. — Manu... volta aqui, vamos conversar. — Ele se levantou, mas antes que pudesse se aproximar eu abri a porta.
— Eu queria conversar amor, mas você não quis. — Mandei um beijo pra ele, sem sarcasmo. — Até de noite, eu te amo.
— Eu também te amo. — Um suspiro de decepção consigo mesmo escapou de seus lábios e eu fechei a porta caminhando até o elevador.
Me avaliei no grande espelho enquanto o elevador descia até o último andar, eram quinze então ia demorar um pouco. Minha calça jeans era larguinha e não marcava meu corpo, a blusa de alcinhas branca de cetim era confortável e o blazer combinando com o sapato dava um charme a produção, sem falar na minha bolsa linda que ganhei da sogrinha, é preta e caía bem com qualquer combinação que eu usava.
Ajeitei meu r**o de cavalo alto assim que senti o elevador chegar ao térreo e coloquei o óculos de sol no rosto.
Caminhei pelo saguão até a portaria e desejei bom dia para as senhoras e suas filhas que estavam olhando revistas e conversando sobre coisas fúteis, mas úteis para quem não tem nada a fazer como elas, mulheres reprimidas, sustentadas por seus maridos ricos e preguiçosas acima de tudo.
Deus me livre de virar uma dessas mulheres, com toda certeza esse é o sonho do Hugo, que um dia eu aceite ser sustentada por ele e viva exclusivamente para ser linda e uma esposa maravilhosa, desculpe querido, mas isso não combina comigo.
— Bom dia — responderam da mesma forma de sempre, com cara de "somos superiores".
Segundo elas eu não sou mulher para o Hugo, ele precisa de uma esposa recatada, fina e elegante como uma das filhas delas.
Tu liga pra opinião dessas quadradas? Não né? Nem eu!
Só pensam mesmo que as filhas delas são moças de respeito, adoráveis, de primeira categoria, como se eu nunca tivesse visto nenhuma delas trazendo um Zézinho maconha para dentro do apartamento quando os pais não estão em casa, mas também não falo nada, não é da minha conta e tenho até dó dessas meninas, as coitadas são obrigadas a bancar as boas moças, ainda bem que minha mãe sempre soube a filha que tem.
Desejei bom dia para o porteiro que como sempre foi educado. Adoro as pessoas que trabalham no prédio, a maioria delas é gente boa e educada, tirando a síndica que se acha a dona do pedaço.
Meu carro já estava fora da garagem, na frente da portaria me esperando, peguei a chave com o manobrista e entrei, era um carro luxuoso mas não muito chamativo, eu gosto de discrição, o que me importa é a qualidade mesmo. Na verdade eu nem queria, mas o Hugo insistiu tanto que eu decidi aceitar. E é legal ter minha independência nessa parte também.
À essa hora, quase sete, o trânsito no Rio está uma loucura, peguei um congestionamento e acabei ficando atrasada, cinco minutos se não me engano, não é nada, mas poxa, é meu primeiro dia de trabalho.
— Bom dia. — Sorri sem jeito ao ver a diretora Daisa me aguardando pacientemente no hall de entrada do colégio.
— Bom dia! — ela sorriu animada com a minha chegada. — Eu sei, não precisa explicar o atraso, também peguei um trânsito terrível.
— Está um caos. — Suspirei guardando a chave do carro na bolsa.
— Vem, vou te apresentar aos professores, como as aulas só começam às nove você vai ter tempo de conversar com eles e se acomodar melhor na sua sala. — Fui guiada até uma sala onde alguns professores estavam. — Pessoal, essa é a Manuelly Novais, a nova professora de reforço.
— Olá — cumprimentei todos com um enorme sorriso.
É tão bom saber que o meu esforço de anos está valendo a pena.
...
Aproveitei o sinal vermelho para responder uma das quatro mensagens que minha sogra mandou, ela estava me esperando no centro com a minha mãe.
Assim que o sinal abriu eu pisei no acelerador e fui costurando o trânsito, odeio me atrasar, mas eu estava tão empolgada conversando com os outros professores que acabei pendendo a noção da hora.
Eu definitivamente amo ensinar! Sério, foi mágico ter uma sala inteira de pequenos curiosos me fazendo perguntas, era a primeira série, então eu tive que ir bem devagar, explicando tudo que o professor deles passou com cuidado, calma e paciência, e cá entre nós: Eu sou ótima nisso. Paciência com adultos nunca foi meu forte, mas com crianças, ah como são fofos e derretem meu coração.
— Me desculpem o atraso, por favor. — Me joguei no banco em que as duas mulheres da minha vida estavam sentadas.
— Modos Manuelly, modos! — Mamãe me repreendeu e eu acabei rindo.
— Boa tarde querida, como foi o primeiro dia de trabalho? — Minha sogra, Rosana, perguntou me entregando uma garrafinha de suco natural.
Minha mãe e minha sogra eram completamente diferentes, mamãe sempre corrigindo meus erros e a sogrinha sempre passando a mão na minha cabeça, por isso que amo as duas.
— Boa tarde, eu já disse que amo ser professora? — perguntei e elas confirmaram. — Pois é, eu amo ser professora.
Fomos comer em um restaurante ali perto, comida simples e caseira. A sogrinha é rica, mas não tem frescura não, quem é cheio dessas coisas é o garoto mimado lá, meu noivo.
— Aí Manu, não liga para o Hugo não, você sabe o quanto meu filho pode ser mimado e cabeça dura às vezes, não é? Mas acredito que depois das suas palavras ele vai te entender. — Ela acariciou minhas costas tentando me confortar.
— Eu fico tão feliz de te ver assim, filha, realizando seus sonhos. — Mamãe sorriu acariciando minha mão por cima da mesa.
Depois de comermos fomos para o ateliê onde um estilista amigo da minha sogra estava fazendo meu vestido de noiva, único, especial e caro demais. Eu não queria um vestido tão chique assim, mas meus sogros queriam que tivéssemos o casamento mais incrível que pudessem pagar, e tudo do melhor.
Me sinto uma aproveitadora de dinheiro alheio.
— Olha como ela está linda no meu modelo exclusivo "Senhora Assunção"! — O estilista, Sávio, bateu palmas exageradamente.
— É um vestido lindo, Sávio, mas não é o que eu imaginei — eu disse depois de muito analisar o vestido e o estilista me encarou com cara de poucos amigos.
Ah, qual é? Esse é o MEU vestido de noiva, não me importa se o estilista vai gostar ou não da minha opinião, mas tem que ser do jeito que eu quero, certo?
— Do que não gostou, minha querida? — Sávio perguntou me olhando e eu encarei o espelho.
O vestido não estava nem perto do que eu descrevi, eu queria um estilo sereia confortável e justo ao corpo, sem renda e pouco brilho e ele estava totalmente o contrário. O tecido era pesado por causa da renda grossa que o cobria e tinha muito brilho. Era óbvio que ele tinha ignorado meus desejos e feito o vestido de acordo com o que pensava que uma noiva e futura senhora Assunção deveria usar.
— Desculpe-me, mas nada está me agradando, eu pedi algo simples mas que se destacasse, sem muito brilho e renda e que fosse um vestido confortável — expliquei com a voz suave e ele sorriu para mim.
Eu não queria desmerecer o trabalho dele, era um vestido lindo, mas não era para mim.
— Tudo bem, senhorita. — Ele suspirou me ajudando a tirar o vestido. — Nos encontramos em duas semanas para mais uma prova do vestido.
— Certo, Obrigada.
Minha mãe e a sogrinha não disseram nada, elas sabiam o quanto esse momento era importante pra mim e estavam tentando me deixar à vontade na escolha dos detalhes do vestido e do casamento em geral.
Depois de sairmos do ateliê, me despedi da minha mãe e da minha sogra e passei no mercado para fazer algumas compras. Em seguida dirigi até meu prédio.